CARACAS — O presidente da Assembleia Nacional (AN) da Venezuela, Juan Guaidó, foi preso neste domingo por agentes do Serviço de Inteligência Bolivariana (Sebin) em uma estrada que liga Caracas a La Guaira, capital do estado de Vargas, no Norte do país, onde ele era esperado para um comício. Ele foi sequestrado no meio da rodovia, para ser solto quase uma hora depois.
Segundo a mulher de Guaidó, Fabiana Rosales, os agentes de inteligência teriam retirado o presidente da AN à força de seu carro. Um vídeo que mostra a ação foi divulgado no Twitter pelo partido Vontade Popular, fundado por Guaidó, de oposição ao presidente Nicolás Maduro.
Liberado uma hora depois da prisão na estrada, Guaidó chegou finalmente ao comício no estado de Vargas, próximo de Caracas, e disse à plateia ter sido vítima de um “golpe de Estado”, reafirmando que tem direito de assumir o poder, segundo a Constituição do país.
— Denunciamos um golpe de Estado contra o presidente legítimo da Assembleia Nacional e de toda a Venezuela — afirmou no discurso, ontem.
Maduro tomou posse para um novo mandato na semana passada, num governo não reconhecido por grande parte da comunidade internacional. Um dia depois da posse, o presidente da AN se declarou disposto a assumir a Presidência, num possível governo de transição na Venezuela. Num primeiro momento, a assembleia tratou do caso como se Guaidó tivesse assumido o posto de fato, para, em seguida, recuar, indicando rachas dentro da própria oposição. Guaidó, por sua vez, fizera um discurso ambíguo e, sem ter feito juramento formal, não pode ser considerado presidente interino, segundo especialistas.
No Twitter, pouco antes de iniciar sua fala, Guaidó escreveu: “Já estou no meu berço, no meu estado de Vargas. O regime tentou me impedir, mas nada e ninguém vai nos impedir. Aqui continuamos em frente para a nossa Venezuela”.
O ministro de Comunicação e Informação do governo Maduro, Jorge Rodríguez, declarou que a detenção de Guaidó, “irregular”, foi uma ação “individual” de funcionários da Sebin que, segundo ele, seriam “destituídos” e “submetidos a procedimentos disciplinários estritos”.
Mais tarde, o governo mudou a versão e, em comunicado transmitido pela televisão, atribuiu a responsabilidade do caso ao primeiro comissário do Sebin, Ildemaro José Rodríguez Mucura, que agiu “fora da instituição” e seria “investigado por ligações conspiratórias com a extrema direita da Venezuela”. O governo voltou a usar o termo “show midiático”, agora para reduzir a importância do episódio: “É preciso ser vigilante para combater ações que pretendem criar um show midiático para alterar a paz da república”.
“Não temos medo”
— Se queriam enviar uma mensagem para que nos escondêssemos, aqui está a resposta do povo: aqui estamos, não temos medo — disse Guaidó no evento neste domingo, mais um encontro para conclamar a população a se reunir num grande protesto contra Maduro.
A manifestação nacional, liderada pela coalizão Frente Ampla Venezuela Livre (FAVL), foi marcada para o dia 23 por esta ser uma data emblemática na História da Venezuela, o marco do fim da ditadura militar, em 1958.
No sábado, a Frente Ampla — criada logo depois da eleição de Maduro do ano passado, composta por partidos opositores, sindicatos, estudantes e outros representantes da sociedade civil — se reuniu com Guaidó para, como afirmou o presidente da AN no Twitter, buscar uma “agenda única” para o protesto de 23 de janeiro.
Guaidó, um engenheiro de 35 anos, era, até pouco tempo atrás, um deputado pouco conhecido, mas a perseguição aos principais opositores do regime o levou para a liderança das forças contrárias a Maduro. Ele foi eleito deputado em 2015, pelo estado de Vargas, com quase cem mil votos.
Segundo o deputado, a reeleição de Maduro, cujo novo mandato deve durar até 2025, infringiu três artigos da Constituição de 1999. Por isso, para restituir a ordem constitucional, pediu aos cidadãos, e especialmente às Forças Armadas, a não reconhecerem a posse do presidente. Grande parte da comunidade internacional não reconhece o novo mandato.
Manuel Rosales, líder do partido Nuevo Tiempo, que também integra a oposição de Maduro, afirmou no Twitter que a prisão de Guaidó foi “um ultraje”.
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, descreveu o incidente como um sequestro. Segundo ele, que chama Guaidó de presidente interino, “a comunidade internacional deve parar os crimes de Maduro e seus asseclas”.
Prisão será discutida no Brasil
O episódio também foi condenado em Buenos Aires. Em nota, o governo argentino afirmou que a prisão de Guaidó “atenta contra as liberdades civis e políticas dos venezuelanos (…) ratifica a imperiosa necessidade de restabelecer na Venezuela uma ordem democrática e o respeito aos direitos humanos”.
Neste sábado, o chanceler argentino, Jorge Faurie, afirmou que Buenos Aires reconhece a Assembleia Nacional, presidida por Guaidó, como “a única autoridade legítima” na Venezuela, já que a reeleição de Maduro teria ocorrido em um “processo manipulado”.
Ainda de acordo com Faurie, o presidente argentino Mauricio Macri e Jair Bolsonaro “emitirão um pronunciamento conjunto” sobre a Venezuela na próxima quarta-feira, quando ambos se encontrarão em Brasília.
O Grupo de Lima se manifestou sobre a prisão de Guaidó com um comunicado assinado pelos governos de Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia. Os países, diz a nota, “condenam a detenção arbitrária do presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, deputado Juan Guaidó, por parte do Serviço Nacional de Inteligência Bolivariano” e “expressam seu mais forte rechaço a qualquer ação que afete a integridade física dos membros da Assembleia Nacional da Venezuela, suas famílias e colaboradores, e a qualquer pressão ou coerção que impeçam o exercício pleno e normal de suas competências como órgão constitucional e legitimamente eleito na Venezuela”.
Pelo Twitter, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, responsabilizou o diretor da Sebin pela detenção de Guaidó: “Denunciamos a detenção arbitrária do presidente da Assembleia Nacional pelo chefe de inteligência venezuelano Manuel Cristopher Figuera. Pedimos às forças de segurança que defendam a Constituição e os direitos do povo venezuelano. Os EUA e o mundo estão assistindo”.
Jornalistas detidos
Agentes da Sebin também prenderam neste domingo dois jornalistas que trabalhavam na cobertura da detenção de Guaidó. A ONG Espaço Público informou a prisão de Osmary Hernández, da CNN Venezuela, e Beatriz Adrián, do Notícias Caracol. Ambos foram soltos uma hora depois.
“Libertados os repórteres Beatriz Adrián e Osmary Hernández, os funcionários do Sebin detiveram e os mantiveram em sua sede até que verificaram sua documentação”, escreveu o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Imprensa da Venezuela no Twitter.
Fonte: O Globo