Gaitano Antonaccio*
O Rio Amazonas e o dilema das enchentes e vazantes…
O Estado do Amazonas é detentor da maior bacia hidrográfica do mundo, possuindo nos seus afluentes, inúmeros estuários nas margens esquerda e direita com incontáveis rios, destacando-se: o Negro, que banha a cidade de Manaus, o Solimões, o Madeira, o Juruá, Purus, Içá, Vaupés e Japurá todos integrantes dessa bacia, além de muitos outros. Neste cenário encontram-se também os dois maiores arquipélagos fluviais do mundo, com um grande número de ilhas, destacando-se a de Mariuá, com cerca de 1.200 e as Anavilhanas, com 400, todas localizadas no rio Negro.
Os povos que habitam o interior do Amazonas aprendem a conviver com os fenômenos que atingem o rio e a floresta, principalmente os que fazem das margens dos seus afluentes o seu habitat, tornando-se escravos de uma dinâmica que lhes impõe, além de um grande isolamento, as enchentes e as vazantes anuais, que transformam a situação climática da região, e causam os fenômenos conhecidos como terra-caída. Essas enchentes e vazantes causam prejuízos aos povos desses rios, conhecidos como ribeirinhos, pois sempre que ocorrem as enchentes, as várzeas – grandes quilometragens de terras baixas – são completamente inundadas por um período aproximado de 5 a 6 meses. Essas inundações jamais permitem ao caboclo saber ao certo, as suas dimensões que variam a cada ano, para mais ou para menos, causando miséria, isolamento, destruição, morte e vários tipos de doenças tropicais.
Quando ocorre a vazante ou seca, a proporção de faixa terrestre aumenta consideravelmente, oportunizando grandes plantações e vários tipos de atividades agropecuárias. Esse fenômeno permite ao caboclo, uma grande facilidade para plantar e criar animais, o que em seguida, via de regra, pode tornar-se uma desilusão. Esse fato representa um dilema, porque nas cheias ou enchentes, o solo fica mais fértil, rico em nutrientes e torna o solo apropriado para a criação de animais e o cultivo de várias espécies.
Além disso, ao começar o período das terras-caídas, os ribeirinhos sofrem novas consequências com a situação de perigo para as suas residências, com inundações, e, em alguns municípios, os governantes são obrigados a decretar estado de calamidade pública, quando surgem pragas de insetos, os quais, ao picarem os habitantes da região, contaminam os mesmos com vários tipos de doenças tropicais, algumas centenárias e ainda não debeladas, como é o caso da malária, da difteria, leishmaniose, e outras que vivem a desafiar a Ciência. Por causa desses fenômenos conhecidos como enchentes e vazantes, os povos que vivem nas margens dos rios da Amazônia estão sempre num eterno recomeço, ora de abundância, ora de escassez, mas, dificilmente se dispõem a abandonar seu habitat.
Analisando o comportamento do ribeirinho, do ponto de vista antropológico poder-se-á dizer que ele é um teimoso, porque planta onde sabe que poderá ser devastada a sua plantação pelas enchentes, perde inexoravelmente a sua colheita, tem sua palafita destruída, mas cheio de esperanças, entende que a natureza vai poupá-lo da próxima vez. E assim, sem assistência técnica ou social, volta a plantar como antes, submetendo-se novamente á mesma calamidade advinda com as enchentes. E o fato sempre se repete, porque é ali, no rio, o seu agasalho típico, que ele conhece e percorre os caminhos com sua canoa, sabe onde o peixe abunda para o seu sustento, e sabe como se adaptar ao clima, à umidade, aos perigos das doenças tropicais, conhece as plantas que lhe curam e as que lhe causam alguns males.
De acordo com alguns estudiosos da geografia amazônica, como e emérito professor Agnello Bittencourt, a situação das águas do interior do Amazonas não possui um comportamento homogêneo, surpreendendo de vez em quando, muitos municípios, como aconteceu em Manaquiri, quando o rio, que possui aproximadamente dois quilômetros de largura em situações normais, no período da vazante de 1999, isolou completamente os moradores da cidade, deixando a todos por mais de 90 dias usando apenas helicópteros para transportá-los. Essa vazante extraordinária voltou a ocorrer nos anos seguintes, provocando mudanças decorrentes de fatores provocados pelo homem, como no caso da destruição das camadas ciliares, provocando o amontoado de terras, areia e barro, que permanecem no leito dos rios, prejudicando o tráfego das embarcações. Sem outras opções de transporte, os prejuízos dos caboclos e dos produtores agrícolas são irreparáveis, matando animais, exterminando grande quantidade de peixes, provocando escassez e o encarecimento de gêneros de primeira necessidade..
Sem poder navegar, os barcos deixam as cidades vizinhas sem mantimentos, produtos necessários à continuidade da vida normal, entre 90 a 120 dias. Essa calamidade atinge, sistematicamente, a região do Alto Solimões, onde surgem os chamados bancos de areia, que se formam no meio dos rios, representando um perigo para encalhar embarcações e causar naufrágios Muitas vezes, a fim de não abandonar suas casas ou palafitas, com a subida das águas, os ribeirinhos recorrem ao sistema de marombas, ou seja, a construção de um novo soalho de madeira sobre o anterior, para fugir da inundação total, o que nem sempre tem dado resultado.
Em verdade, essa dança perversa da natureza, entre vazantes e enchentes tem sido uma rotina na vida dos povos da capital e do interior, e todos sofrem as consequências. Tanto os que vivem nas margens dos rios, quanto os que vivem na capital, porque, em seguida surge a escassez de alimentos, frutas, legumes, cereais, medicamentos, que não conseguem ser transportados e os caboclos, ainda são atingidos pelas mais diversas enfermidades, muitos morrem e as autoridades, nem sempre têm sido sensíveis aos verdadeiros prejuízos sofridos pelos interioranos.
Desde a enchente de 2012, uma das maiores já ocorridas nos rios da Amazônia, ficou patente que todas são catastróficas e deixam suas marcas de destruição. Para socorrer as regiões afetads, tem sido uma ação repetitiva todos os anos, o fato de os senhores prefeitos, governadores, senadores, deputados e outros políticos, proclamarem estado de calamidade pública, para em seguida tomarem os rumos de Brasília, em busca de ajuda financeira para socorrer as vítimas, com solicitação de verbas ao governo federal.
As comunidades vizinhas sempre ajudam com o fornecimento de mantimentos, medicamentos, materiais de construção, agasalhos, roupas, cobertores, colchoes, redes, madeiras, pregos, tudo a fim de minimizar o sofrimento dos atingidos, mas, desgraçadamente, muitos desses recursos são desviados, não chegando aos destinatários Sem dúvida, os maus políticos, com o tempo, aprenderam que é importante fazer das enchentes dos rios da Região, uma pequena indústria, tal como ocorre no Nordeste, com a indústria da seca. Alguns, mal começam a encher os rios, imediatamente decretam estado de calamidade, usam a imprensa mal informada e começam a ladainha em busca de dinheiro em Brasília, e o governo federal sob pressão, sempre atende estes senhores do ilícito.
Mas, os serviços de saneamento básico, de infraestrutura para enfrentar as cheias com inteligência e estratégias, jamais são projetados. Vale salientar, que apesar de ter sido criado um Manual Para Decretar Situação de Emergência ou de estado de calamidade pública, que determina: “Não é de boa praxe estender a situação de anormalidade à totalidade do município, mas apenas às áreas que forem comprovadamente afetadas pelo desastre,” entretanto, esse princípio não vem sendo respeitado, e tudo tem sido motivo para angariar verbas e não se cuidar de projetos básicos de saneamento.
*Conselheiro da Fundação Panamazônia, membro da Academia de Letras, Ciências e Artes do Amazonas – da Academia de Ciências e Letras Jurídicas do Amazonas, da Academia Brasileira de ciências Contábeis, da Academia de Letras do Brasil, da Academia de Letras e Culturas da Amazônia – ALCAMA; correspondente da Academia de Letras do Rio de Janeiro, idem do Instituto Geográfico e Histórico do Espírito Santo e outras.