Comunidade onde vivem 300 famílias desde 1993 no bairro Flores é alvo de ação de reintegração de posse, movida em 2008, após 15 anos de consolidação da ocupação
A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) ingressou nesta quarta-feira (4) com uma Ação de Usucapião Especial Urbana Coletiva com Pedido de Tutela de Urgência para que seja reconhecida a consolidação da comunidade do Beco Green Ville, no bairro Flores, Zona Centro-Sul de Manaus. Com 300 famílias que residem no local há 27 anos, a comunidade é alvo de uma ação de reintegração de posse desde 2008, movida pela Construtora Rayol (atual Construtora Carvalho). A ação da Defensoria tramita na Vara de Registros Públicos e Usucapião da Comarca de Manaus.
Assinada pela defensora pública Dâmea Mourão Telles de Menezes e pelo defensor público Thiago Nobre Rosas, do Núcleo de Moradia da DPE-AM, a ação de usucapião pede a concessão de medida liminar para determinar a suspensão de eventuais ações petitórias ou possessórias envolvendo a área questionada na Justiça (Rua F, lote 3, Conjunto Jardim Amazonas, Bairro Flores, Manaus/AM). O pedido de liminar se refere, especialmente, à ação de reintegração de posse (processo nº 0210222-77.2008.8.04.0001) movida pela construtora.
A Defensoria requer, ainda, que a liminar suspenda quaisquer atos expropriatórios que retirem as famílias do local, até o julgamento da ação de usucapião coletiva urbana, sob pena de multa de R$ 15 mil por dia de descumprimento.
No mérito da ação, a Defensoria requer que seja julgado procedente o pedido para declarar a Usucapião Coletiva da área em questão, em favor dos moradores do Beco Green Ville, atribuindo-se igual fração ideal de terreno a cada morador, para que possam, dessa forma, adquirir o pleno domínio do referido imóvel, com a consequente expedição do Mandado de Registro ao Cartório de Imóveis da Capital.
A comunidade do Beco Green Ville teve início em meados de 1993, quando os primeiros moradores passaram a ocupar a área localizada na Rua F, lote 3, Conjunto Jardim Amazonas, Bairro Flores. Em seu pedido, a Defensoria ressalta que, desde então, a área é ocupada de forma mansa, pacífica e ininterrupta pelas famílias que lá residem.
Ocupação consolidada
Para reforçar o argumento de usucapião, a Defensoria destaca o fato de que a área em questão passou a ser objeto de discussão na ação de reintegração de posse somente no ano de 2008, quando já haviam transcorrido 15 anos de ocupação e consolidação da comunidade. Para a Defensoria, a comunidade do Beco Green Ville configura uma ocupação urbana consolidada, “de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município”.
A Defensoria destaca ainda, em seu pedido, que, em visita realizada por defensores e servidores da instituição no dia 22 de outubro deste ano, e a partir da análise documental apresentada pelos assistidos, ficou constatado que: “a comunidade encontra-se consolidada e munida de serviços públicos, tais como água, energia elétrica e asfaltamento; existem casas em madeira e em alvenaria; crianças e jovens moradores da região frequentam escolas próximas de suas casas”.
“À luz dos dispositivos legais anteriormente destacados e por respeito aos direitos à dignidade da pessoa humana, à moradia e à função social da propriedade, tem-se que o reconhecimento da usucapião especial urbana coletiva ora pleiteada, além de ser medida de direito e justiça, reflete em indubitável interesse público e social: o lapso temporal de instalação da comunidade, que existe desde o ano de 1993, seu desenvolvimento e seus aspectos, servem de baliza para considerar a ocupação irreversível e dotada de animus domini (intenção de agir como dono)”, diz trecho da ação da DPE-AM.
Irregularidades processuais
Atualmente, a ação de reintegração de posse está em fase de cumprimento de sentença, mas, para a Defensoria, possui inúmeras irregularidades processuais que ainda estão sendo discutidas, por isso, a necessidade de uma liminar que impeça o cumprimento de possíveis atos que resultem na retirada dos moradores do local.
Entre as irregularidades processuais apontadas pela Defensoria, estão “a incompletude de qualificação do polo passivo da demanda, a supressão do contraditório e da ampla defesa, a ausência de intimação da Defensoria Pública do Estado do Amazonas, a não realização da necessária individualização dos executados, a violação do art. 536, § 4º do Código de Processo Civil, dentre outros”.
A Defensoria aponta ainda que, apesar da ação de reintegração de posse ter sido ajuizada somente em desfavor de cinco ocupantes e tendo havido a citação de apenas 22 moradores, a área em discussão é ocupada por aproximadamente 300 famílias, o que demonstra mais uma vez a violação a direitos, como ao contraditório e à ampla defesa.
Fotos: Clóvis Miranda/DPE-AM