Para especialistas dos EUA, tudo indica que sim, pois os chineses vão retaliar. Resta saber se há uma estratégia por trás dessa medida que trará prejuízos para ambos os lados. No começo de março, o presidente Donald Trump declarou em um de seus tradicionais tuítes matinais que, para um país como os Estados Unidos – que, segundo ele, perde bilhões de dólares no comércio com a maioria dos países – “guerras comerciais são boas e fáceis de ganhar”.
Nesta quinta-feira (22), três semanas depois, Trump colocou em prática sua opinião e anunciou pesadas tarifas à China, uma ação que, segundo muitos analistas, vai desencadear um conflito comercial entre as duas maiores economias do mundo.
“Isso vai gerar uma guerra comercial”, afirmou James Andrew Levis, que é vice-presidente sênior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) e que já trabalhou no Departamento de Comércio dos EUA, onde comandou a equipe que se ocupava da segurança nacional e espionagem no âmbito do comércio de produtos de alta tecnologia com a China.
O especialista em China Andrew Wedeman, da Universidade do Estado da Geórgia, também avaliou que a taxação de Trump a Pequim – estimada no valor de US$ 60 bilhões – dará início a uma guerra comercial porque haverá retaliações. “É provável que os chineses rebatam em pontos como produtos agrícolas. Eles não são bobos.”
De fato, poucas horas depois do anúncio de Trump, o governo chinês afirmou que “não tem medo” de uma guerra comercial e ameaçou com tarifas a produtos americanos, no valor de US$ 3 bilhões, incluindo vinho, carne de porco e soja. O anúncio foi uma resposta a uma decisão anterior de Trump, de sobretaxar as importações chinesas de aço e alumínio.
A melhor resposta?
Apesar de ambos especialistas acharem que Trump deu início a uma guerra comercial, eles discordam sobre a eficiência desse passo na resposta a práticas comerciais controversas dos chineses, por exemplo na propriedade intelectual e no acesso ao mercado interno.
Para Lewis, punir Pequim com altas tarifas por suas contínuas transgressões comerciais é algo que já deveria ter acontecido há anos. Segundo ele, a espionagem econômica pelos chineses custou dezenas de bilhões de dólares aos EUA ao longo dos últimos 20 anos.
Mas, como a China era uma economia menor, muitos consideravam tal perda como o preço de se fazer negócios com Pequim. “Agora que a China é a segunda maior economia no mundo, as pessoas não podem mais suportar essa perda”, afirmou Lewis.
Wedeman concorda que transgressões desse tipo têm sido há décadas um problema irritante e irresoluto para os EUA. Ainda assim, ele duvida que a medida de Trump de taxar os produtos chineses seja o melhor remédio para as queixas legítimas de Washington. “Tentar usar tarifas como uma forma de lidar com esse problema é como usar uma marreta quando o mais adequado seria um bisturi”, disse.
Trump tem uma estratégia?
Wedeman também se mostrou cético quanto à existência de uma estratégia no plano tarifário de Trump. “Eu não acho que Trump refletiu muito a respeito, tampouco que ele compreenda que os chineses vão contra-atacar”, disse. “Eles vão contra-atacar pesado, eles têm condições de fazer isso.”
Além de produtos agrícolas, como soja, que teriam forte impacto sobre fazendeiros americanos, a China – como maior mercado mundial de aviões – também poderia retaliar os EUA em setores como aviação, explica. “A Boeing ficaria feliz se os chineses decidissem não mais comprar aviões da empresa e que, em vez disso, passar a adquirir o Airbus da União Europeia?”
Lewis compartilha da preocupação de Wedeman quanto a uma possível falta de planejamento estratégico em relação às tarifas e seus objetivos. “O dilema aqui é o mesmo de sempre: será que esse governo tem mesmo uma estratégia, um objetivo bem definido e um caminho para chegar a esse objetivo?”, questionou.
Para ele, o objetivo tem que ser chegar a um entendimento com a China – e com os outros parceiros dos EUA – sobre como o comércio internacional vai funcionar e como ele pode se tornar mais justo em algumas áreas. “Pode ser que essa estratégia exista, mas não há nenhum sinal disso.”
‘É melhor do que não fazer nada’
Outro indicador de que talvez não haja uma estratégia por trás da nova medida é a postura igualmente dura de Trump em relação a importantes aliados dos EUA, que foram incluídos em suas declarações ao anunciar as tarifas à China.
“Há um sinal de que as pessoas não pensaram o suficiente sobre a questão, afinal a China é um grande problema para a economia global, e não só para os EUA. Ou seja, também para os nossos aliados”, ponderou Lewis. “E se você pretende envolver os chineses no que serão discussões bem difíceis, não deveria começar excluindo Alemanha, Canadá e México, que são alguns de seus principais parceiros comerciais.”
Mesmo sendo cético quanto ao nível de preparo e planejamento do governo de Trump, Lewis está convencido de que impor tais tarifas aos chineses foi a coisa certa a fazer. “É melhor do que não fazer nada, que foi o que as duas últimas administrações fizeram.”
Mas Lewis alerta que uma guerra comercial com a China jamais deve ser vista como um fim em si. “O objetivo não pode ser punir a China, mas reconstruir o comércio global”, diz. Só que chegar a um acordo para um comércio mundial com regras mais justas e igualitárias parece não ser o que Trump tinha em mente quando deu início a um conflito comercial entre os EUA e a China.
Fonte: G1 Mundo