Impedido de cadastrar e selecionar novas famílias para o Plano Nacional de Reforma Agrária e atingido por cortes orçamentários nos últimos anos, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foi críticado durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, realizada nesta segunda-feira (12), para discutir as mortes de dez trabalhadores rurais sem-terra em Pau D´Arco, no Pará.
A crítica mais dura foi feita pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, que sugeriu que a “paralisia” do instituto contribui para o acirramento da tensão no campo. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2016 foram registradas 61 mortes em função de conflitos no campo – o pior resultado dos últimos 13 anos.
“O Incra é hoje um factoide, pois não cumpre nenhuma das funções que lhe foram designadas. Não faz a reforma agrária, não faz demarcação de terras quilombolas, não tem orçamento e não executa orçamento. Tudo isso parou”, disse a procuradora.
De acordo com o Incra, o cadastramento, seleção e assentamento de famílias beneficiárias da reforma agrária estão suspensos desde abril de 2016, por força de uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU).
O órgão afirma já ter 12 mil lotes disponíveis e prontos para entregar às famílias cadastradas que atendam às exigências do Plano Nacional de Reforma Agrária, mas só pode fazer isso após o TCU julgar o mérito da representação que apura indícios de irregularidades na concessão de lotes do programa nacional e que resultou no Acórdão 775, de 2016. A expectativa do Incra é que o julgamento do acórdão ocorra nos próximos dias, mas a assessoria do TCU diz que não há prazo para a apreciação da questão.
De acordo com o TCU, entre os indícios de irregularidades que estão sendo apurados nas superintendências do Incra no Amapá, em Goiás, em Mato Grosso do Sul, no Pará, em Rondônia, em Roraima, em São Paulo e no Tocantins estão a suposta existência de beneficiários que não atenderiam aos requisitos do programa de reforma agrária; inconsistência na base de dados do Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra) e a ausência e/ou deficiência na identificação de situações irregulares em projetos de assentamento. Uma auditoria finalizada em janeiro de 2016 revelou a existência de 479.695 processos com algum indício de irregularidade.
“O Incra aguarda a liberação do TCU para retomar os processos de cadastro, seleção e assentamento de famílias”, informou o instituto à Agência Brasil, acrescentando que o Acórdão 775/2016 também afetou a execução orçamentária da autarquia no ano passado, já que “diversas ações” foram suspensas. “No entanto, nas demais áreas de ação da autarquia, houve execução do orçamento. Assim, não procede a afirmação de que “tudo parou” na reforma agrária. Excetuando-se as áreas afetadas pela decisão do TCU, as demais ações da autarquia vêm sendo implementadas”, disse o Incra, em nota, citando, como exemplo, o trabalho de reconhecimento de comunidades quilombolas que, disse, “prossegue”, assim como iniciativas de regularização fundiária, titulação, crédito, projetos de infraestrutura e educação no campo.
Já a Comissão Pró-Índio de São Paulo e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) dizem que os cortes no orçamento do Incra afetam também a regularização de terras quilombolas, setor em que o cenário é “de poucas titulações e lentidão no andamento dos processos”. De acordo com levantamento da comissão, há mais de 1.600 processos de titulação em aberto no Incra e 87% deles não tiveram sequer os relatórios técnicos de identificação e delimitação publicados. Em 2017, os únicos quilombolas a receber títulos de propriedade de imóveis rurais foram os de Invernada dos Negros, em Santa Catarina, em janeiro deste ano.
Fonte: Agência Brasil