Pesquisadores do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia) apresentaram nesta quinta-feira, 20/07, os resultados obtidos até agora com o trabalho de vigilância de patógenos emergentes e reemergentes circulantes na fauna silvestre e em casos humanos, realizado pela unidade, pesquisa que pode contribuir para o monitoramento eficaz e respostas mais rápidas às epidemias e pandemias futuras. O trabalho foi apresentado durante a Oficina Técnica sobre Vigilância Regional de Patógenos Emergentes e Zoonóticos com Potencial Epidêmico e Pandêmico, aberta nesta quinta-feira, 20/07, em Manaus, numa realização da Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), com a parceria do Ministério da Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com a presença da chefe do Departamento de Preparação e Prevenção de Eventos Epidêmicos e Pandêmicos da OMS, Maria Van Kerkhove, e o coordenador da Unidade Técnica de Preparação, Vigilância e Respostas à Emergências e Desastres, da OPAS, no Brasil, Alexander Rosewell.
O workshop conta com a participação de representantes de instituições de diferentes estados brasileiros e países com conectividade amazônica, a exemplo do Suriname, Colômbia, Peru, Equador, Panamá, Suriname, Venezuela, além de Argentina e Estados Unidos. Os objetivos da oficina são: mapear as atividades de pesquisa de campo em andamento, ou planejadas, sobre os patógenos emergentes, discutir possíveis estratégias para coordenar e fortalecer ações relacionadas à prevenção, vigilância, detecção oportuna, notificação, preparação e resposta em Saúde Pública para proteger a população humana; e propor planos para coordenar pesquisas aplicadas visando preencher lacunas de conhecimento sobre os referidos patógenos. Juntos, os especialistas esperam, ao final do encontro, delinear um plano de colaboração para a vigilância e investigação de patógenos com potencial epidêmico e pandêmico em reservatórios de vida selvagem, hospedeiros e vetores na região amazônica.
O painel com os pesquisadores da Fiocruz Amazônia contou com a participação de Maria Van Kerkove. O virologista Felipe Naveca, coordenador do Núcleo de Vigilância de Vírus Emergentes, Reemergentes ou Negligenciados, da Fiocruz Amazônia, destacou a importância da vigilância genômica no cenário pós-pandêmico, citando as descobertas feitas a partir do trabalho realizado pela Fiocruz Amazônia em parceria com os laboratórios públicos de referência dos Estados do Amazonas, Roraima, Acre e Rondônia. “Só conseguimos avançar com parcerias fortes, diversas instituições comprometidas. Neste sentido temos trabalhado com outras unidades da Fiocruz, a Fundação de Vigilância em Saúde Rosemary Costa Pinto (FVS-RCP), OPAS e contado com investimentos de agências internacionais para realização de estudos”, ressaltou.
Segundo Naveca, o Amazonas é o Estado brasileiro com o maior número de genomas do SARS-CoV-2 sequenciados em função do número de casos confirmados. “Temos desenvolvido um esforço muito grande desde o início da pandemia, que nos possibilitou, entre outros pontos, saber que a principal variante em circulação no País, no momento, é a XBB.1.5, e anteriormente nos levou à descoberta da variante Gama, em 2021, permitiu que acompanhássemos a sua evolução, numa população com uma alta imunidade híbrida, como a do Amazonas e, mais recentemente, foi possível mostrar como se deu a expansão das variantes Delta e Ômicron. Foi e continua sendo um trabalho importante, especialmente em uma região tão severamente atingida como foi no Amazonas”, afirmou Naveca.
A partir dos estudos genômicos da Fiocruz Amazônia para as variantes Gama, Delta e Ômicron foi possível atestar também que o principal hub de disseminação foi a partir de Manaus, capital do Estado, para outros municípios. “Houve também uma disseminação menor de linhagens que foram introduzidas, por exemplo, pela Tríplice Fronteira Brasil/Colômbia/Peru, e outras de outras fronteiras do Estado, mas invariavelmente Manaus foi o principal hub de disseminação”, observou.
Entre as lições aprendidas com a pandemia, Naveca destaca que é preciso capacitar as equipes de saúde localmente e em todas as áreas de vigilância. “Tivemos a oportunidade de trabalhar não só no Amazonas, mas em outros três estados da Região Norte, da chamada Amazônia Ocidental – Roraima, Acre e Rondônia. Fizemos essa capacitação para as equipes dos LACENS Rondônia, Roraima e Acre, não só na parte laboratorial mas também para a análise de dados nos laboratórios centrais de cada estado, para que essas equipes possam continuar conduzindo os trabalhos independentemente de estarmos lá ou não”, afirmou.
A emergência do Monkeypox e o aumento de casos de dengue com a introdução de genótipos na região, também geraram demandas para a Fiocruz Amazônia, conforme salientou Naveca. “Fomos demandados pelo Ministério da Saúde para assumir como laboratório regional de referência em Monkeypox, para os estados do Amazonas, Rondônia e Roraima. No tocante às arboviroses, desde 2019 até 2021, o dengue sorotipo 1 foi o mais prevalente. No entanto, em novembro de 2022, a equipe do LAFRON Amazonas reportou um aumento inesperado de casos de dengue numa época em que não era para estar ocorrendo tantos casos, e nós imediatamente recebemos as amostras, fizemos o sequenciamento e identificamos uma introdução do genótipo 2 (cosmopolita) do dengue sorotipo 2 naquela região. Esse resultado, incluindo os genomas, foi imediatamente compartilhado em bancos de dados públicos. Fizemos uma análise de reconstrução espaço-temporal mostrando que se tratava de uma segunda introdução no Brasil, vinda do Perú. A epidemiologia da dengue no Amazonas mudou e, desde essa introdução, o dengue 2 rapidamente substituiu o dengue 1, dados disponíveis no relatório para o MS, assim como pré-print”, relembrou.
Naveca citou ainda situação parecida ocorrida em Roraima, quando a equipe do LACEN local identificou a introdução do dengue sorotipo 3. “Esse dado nos surpreendeu, uma vez que este sorotipo não causa epidemias há 15 anos e nossas análises genômicas, em colaboração com o CDC/EUA, não só confirmaram o resultado do LACEN-RR, como mostraram que era uma linhagem para as Américas, oriunda do subcontinente indiano”, contou. Por fim, o virologista lembrou a emergência de casos do vírus Oropouche em Roraima, Amazonas, Rondônia e Acre, confirmada pelos LACENs de cada Estado, utilizando o protocolo desenvolvido pelo ILMD/Fiocruz Amazônia, ressaltando a necessidade de pesquisas contínuas para a identificação de novos vírus, a exemplo do novo flebovírus (vírus transmitido por flebotomíneos), encontrados recentemente em uma área rural do município de Presidente Figueiredo (AM).
DESMATAMENTO
Em sua palestra, a médica veterinária Alessandra Nava caracterizou a vigilância de patógenos circulantes na fauna silvestre, especificamente em populações de morcegos e primatas, alertando sobre os riscos do desmatamento em áreas urbanas. “Temos florestas lindas e maravilhosas, com espécies ameaçadas, e que da noite para o dia viram um shopping. Essa é uma dinâmica é constante e a rapidez com que acontece é muito grande, sobretudo com o afrouxamento da proteção ambiental nos últimos quatro anos, o que levou a um aumento da frequência do contato dos humanos com animais silvestres e domésticos, o que possivelmente possa ser um fator desencadeador de emergências zoonóticas”, exemplificou, mostrando a imagem de uma área de floresta antropizada num bairro da Zona Norte de Manaus, que avança sobre uma área de proteção ambiental da cidade.
Em parceria com o Núcleo de Vigilância de Vírus Emergentes, Reemergentes ou Negligenciados, chefiado por Naveca, Alessandra disse que vem sendo possível desenvolver um projeto que visa mapear a diversidade de coronavírus em morcegos e primatas, entre outras espécies, no Amazonas. “Além dos vírus, trabalhamos com outras doenças negligenciadas como as filarioses, doenças parasitárias e monitoramento de raiva por meio dos registros de mordeduras que são mais constantes na região. Nossa estratégia é tentar entender e ter material para as próximas emergências, razão pela qual iniciamos um biobanco, em parceria com o Cetas/Ibama, onde coletamos material de espécies oriundas de todo o estado e disponibilizamos as amostras para outros pesquisadores”, explica, acrescentando que muito mais do que encontrar vírus emergentes, a proposta é a de entender as relações e as frequências de contatos entre humanos e animais como gatilhos para situações de emergência, o que se alinha ao que preconiza o painel de especialistas em Saúde Única da OMS.
Nava destacou a importancia das parcerias, citando a carta-compromisso firmada entre o Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), a Fiocruz Ceará e a Plataforma Internacional para Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (PICTIS) da Fiocruz, com sede em Portugal, para a criação da primeira Rede de Vigilância do Norte e Nordeste do Brasil em Monitoramento de Patógenos Circulantes na Fauna Silvestre. O objetivo é estabelecer as bases para a sistematização das atividades da Fiocruz no escopo da Saúde Única (One Health) – que tem como base o entendimento de que as doenças dos animais e dos humanos estão associadas –, fortalecendo a vigilância e a pesquisa de patógenos com caráter zoonótico e a capacidade de proporcionar melhores monitoramento e respostas às epidemias. A carta é assinada pelos diretores da Fiocruz Amazônia e da Fiocruz Ceará, Adele Schwartz Benzaken e Antônio Carlile Holanda de Lavor, respectivamente, e o coordenador do PICTIS, José Luiz Passos Cordeiro.
PROGRAMAÇÃO
O workshop se encerrou nesta sexta-feira, 21/07. Ao longo do dia, os participantes participaram de painéis de discussão, com perguntas direcionadores sobre as capacidades nacionais/subnacionais para a vigilância em Saúde Pública e detecção de patógenos emergias, as lacunas existentes na região amazônica, integração da vigilância em animais de criação, vida selvagem e meio ambiente com a vigilância em saúde pública e a inovações que estejam sendo testadas. Haverá também um painel sobre as iniciativas e atividades de pesquisa na região amazônica brasileira, apresentado pela vice-presidente de Pesquisa e Coleções Biológicas da Fiocruz, Lourdes Oliveira, e a pesquisadora em Saúde Pública do Instituto Evandro Chagas, Lívia Carício Martins.
A partir do workshop, a OMS/OPAS pretende catalogar as atividades de pesquisas aplicadas em andamento, e planejadas, na região Amazônica relacionadas à vigilância, detecção precoce, diagnóstico e resposta a patógenos emergentes e zoonóticos com potencial epidêmico e pandémico, além de elaborar um resumo executivo para as autoridades nacionais brasileiras a ser apresentado na Reunião dos Presidentes dos Países da Bacia Amazônica em agosto de 2023, reportar a identificação das principais lacunas na vigilância, diagnóstico e pesquisa aplicada/de campo, bem como propor atividades necessárias para preenchê-las, e por fim elaborar propostas de ações e atividades prioritárias necessárias para melhorar a prevenção, vigilância, detecção precoce, notificação, preparação e resposta a patógenos com potencial epidêmico e pandêmico na região Amazônica.
A OPAS/OMS organiza esta oficina técnica em estreita colaboração com o Ministério da Saúde, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e outros parceiros brasileiros. Com base em uma oficina semelhante realizada no Panamá, em abril de 2022 – organizada conjuntamente por Fundação Rockefeller, Instituto Conmemorativo Gorgas, e a Unidade de Gestão de Ameaças Infecciosas da OPAS — bem como uma série de oficinas técnicas organizadas pela Unidade de Doenças Emergentes e Zoonoses da OMS, em sua sede, busca ampliar a compreensão das atividades atuais de pesquisa e vigilância de patógenos emergentes e zoonóticos com potencial epidêmico e pandêmico na vida selvagem do mundo inteiro.
Fonte: Fiocruz Amazônia