O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez a entrega, nesta quarta-feira, 12/07, em Brasília, da Medalha da Ordem Nacional do Mérito Científico aos médicos e pesquisadores amazonenses Adele Schwartz Benzaken e Marcos Vinícius Guimarães Lacerda, um dia após a publicação do decreto de reparação histórica por meio do qual devolve aos dois pesquisadores o direito à condecoração concedida a personalidades nacionais e estrangeiras que se distinguiram por suas relevantes contribuições prestadas à Ciência e à Tecnologia. Em novembro de 2021, o então presidente Jair Bolsonaro havia anulado, sem justificativa, a admissão dos dois cientistas na classe de Comendador, gerando indignação por parte da comunidade científica nacional e internacional e a renúncia coletiva à condecoração dos 21 agraciados com a honraria daquele ano. Nesta quarta-feira, o erro histórico foi reparado com a entrega das medalhas a todos durante sessão solene de instalação do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, do Ministério da Ciência e Tecnologia, no Palácio do Planalto, com a presença do presidente Lula e os agraciados.
O presidente Lula, em seu discurso, enalteceu o papel da Ciência e da Tecnologia, para o desenvolvimento econômico sustentável do País, e a importância dos pesquisadores nesse contexto. “Retomamos a partir de hoje as reuniões do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, principal fórum de debate com a comunidade científica, e condecoramos algumas das mentes mais brilhantes desse país, porque estamos reunidos aqui para dizermos que chega de obscurantismo, basta de negacionismo, chega de jogar cientistas na fogueira ou aceitar que cientistas como Adele e Marcos tenham suas medalhas tomadas, ela pelo trabalho desenvolvido com homens trans e ele pelo estudo que mostrou a ineficiência da cloroquina”, citou o presidente da República, após a entrega da medalha aos cientistas.
A ministra da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, destacou a necessidade de investimentos em pesquisa para a retomada do desenvolvimento econômico e social do Brasil, do combate à fome, da política de industrialização e do desenvolvimento sustentável da Amazônia, garantindo a independência e soberania da Nação. Sobre a condecoração, a ministra assegurou tratar-se de um “ato de desagravo à Ciência e de reparação histórica aos cientistas, pesquisadores e médicos do País que foram injustamente perseguidos e ameaçados por um governo anticiência e antivida”, reforçou. A Ordem Nacional do Mérito Científico foi criada pelo Decreto número 772, de 16 de março de 1992, sendo concedida como forma de reconhecimento pelas contribuições científicas e técnicas dadas por personalidades nacionais e internacionais para o desenvolvimento da Ciência no Brasil.
A ministra destacou o trabalho desenvolvido pelos dois cientistas. Com 45 anos de vida pública, Adele Benzaken, que é médica ginecologista, doutora em Saúde Pública e atual diretora da Fiocruz Amazônia, deu uma vasta contribuição aos estudos, formulação e implementação de políticas públicas relacionadas às Infecções Sexualmente Transmissíveis, tendo chefiado o Departamento de IST/HIV/Aids e Hepatites Virais, do Ministério da Saúde, durante cinco anos, e sido exonerada por Bolsonaro, em 2019, após a publicação de uma cartilha de prevenção às IST’s para homens transgêneros. Já Marcus Lacerda é o responsável por uma das primeiras pesquisas que ajudaram a revelar a ineficiência da cloroquina contra a Covid-19 e os riscos de agravo cardíaco da medicação quando aplicada a pacientes com a doença. Com mais de duas décadas de experiência em pesquisas com doenças infecciosas, o pesquisador da Fiocruz Amazônia passou a ser alvo do bolsonarismo, chegando a ser ameaçado de morte e receber ofensas pessoais.
Além da renúncia coletiva à condecoração por parte dos agraciados, o ato de Bolsonaro anulando a concessão das medalhas a Adele Benzaken e Marcus Lacerda gerou manifestação de repúdio dos mais de 200 cientistas que integram a Ordem Nacional do Mérito Científico (ONMC) e dezenas de instituições de ensino e pesquisa. A designação dos agraciados à honraria é feita de forma paritária pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, Academia Brasileira de Ciências e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. A comissão é formada por nove membros.
Convidada pelo presidente Lula para falar em nome dos homenageados, Adele Benzaken, bastante emocionada, reafirmou seu compromisso com a Ciência e a pesquisa na Amazônia. Em seu pronunciamento (ver íntegra abaixo), ela assegurou que seguirá acreditando na Ciência e que a reparação feita pelo presidente da República tem um significado muito especial. Acompanhada dos familiares, a pesquisadora amazonense fez um rápido retrospecto de sua trajetória, marcada por “encontros”, como ela mesma destacou, entre eles com a Aids, fazendo referência ao período em que chefiou, por cinco anos, o Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), HIV e Hepatites Virais do Ministério da Saúde. Na sua gestão, o MS foi responsável por tornar o teste rápido de sífilis uma política nacional, além de ter possibilitado a incorporação de políticas de prevenção ao HIV, como a da Profilaxia Pré-Exposição (Prep) e a universalização do tratamento da Hepatite C na rede pública.
“Nesta cerimônia, mais que encontrar com o prêmio que me tinha sido sonegado (diga-se aqui, como Chico Buarque, em situação assemelhada recente, sentí-me mais honrada ainda) é de reencontro que quero falar. Reencontro com o País plural que estava sendo destruído por políticas reacionárias e facistóides. Reencontro com o SUS pelo qual lutamos desde 1988, assim como com os valores constitucionais que o originaram. Reencontro com o Presidente Lula e todas as utopias que por vários anos ele nos ensinou a sonhar”, disse Adele, em agradecimento ao presidente Lula pela homenagem, bem como aos representantes da Academia Brasileira de Ciência (ABC), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ministério de Ciências e Tecnologia e a todos os cientistas que solidariamente se recusaram a receber a condecoração na gestão anterior.
Antes da solenidade, Marcus Lacerda observou que nenhuma medalha ou homenagem no Mundo é entregue a um único indivíduo, nem a um único pesquisador. “As honrarias são entregues aos grupos de pesquisa e às instituições. É um prazer imenso receber hoje uma condecoração que vem pelas mãos do atual presidente da República, que reconhece o trabalho de todo o grupo de pesquisa que o Amazonas exerce junto à Fiocruz, que sempre foi o suporte dos piores momentos que todos vivemos nos últimos quatro anos”, afirmou. Além dos pesquisadores amazonenses, a comenda na Área de Ciências da Saúde foi entregue a Maurício Lima Barreto, professor emérito da Universidade Federal da Bahia. Também foram agraciados na área de Ciências Biológicas (Gonçalo Amarante Guimaraes Pereira e Stevens Kastrup Rehen), Ciências Biomédicas (Marcelo Marcos Morales e Renato Sérgio Balão Cordeiro), Ciências da Terra (Maria Tereza Fernandez Piedade) e Ciências Humanos (Maria Stela Grossi Porto, in memoriam)
Confira, a seguir, a íntegra do pronunciamento da médica sanitarista Adele Benzaken:
”A vida é a arte do encontro, como disse Vinicius de Moraes. Meus pais, vindos de continentes distantes, de Tânger no Marrocos e de Viena na Europa, se encontraram em Manaus, onde dois dos maiores rios do planeta marcaram encontro para formar o maior afluente de que se tem notícia, o Rio Amazonas, que empresta seu nome para meu Estado. Ali nasci e me criei! Na Praça São Sebastião, ao redor do monumento à Abertura dos Portos do Brasil à Navegação Mundial, houve meu encontro, com meus amigos, para jogar “peladas” de futebol, no cair da tarde manauara.
Em Manaus, por meus pais (Willy e Robine) e pela comunidade judaica aprendi que os valores da religião, professada por meus ancestrais milenares, podia se encontrar com as outras pessoas que professavam outras crenças, incluindo aí as dos povos originários e mesmo os sem-crenças.
Em Manaus, encontrei os mestres que orientaram minha vida para a Saúde Pública, compromisso do qual jamais me afastei nos últimos 45 anos. Período no qual se deu também meu encontro com a militância social em favor das políticas de enfrentamento às ISTs e HIV/Aids, como médica e gestora pública, à frente de instituições estaduais e do Departamento de IST/HIV/Aids e Hepatites Virais da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. Hoje, me encontro com o desafio do fazer Ciência na Amazônia, no Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), e representando o Brasil junto a organismos internacionais de respostas ao HIV/Aids, como a Aids Healthcare Foundation para quem também trabalho com paixão.
Por falar em amor, um dia, em uma rua fortuita de Jerusalém, encontrei Asher Benzaken, meu companheiro por toda vida e pai de meus filhos e avô dos meus cinco netos.
Nesta cerimônia, mais que encontrar com o prêmio que me tinha sido sonegado (diga-se aqui, como Chico Buarque, em situação assemelhada recente, sentí-me mais honrada ainda) é de reencontro que quero falar. Reencontro com o País plural que estava sendo destruído por políticas reacionárias e facistóides. Reencontro com o SUS pelo qual lutamos desde 1988, assim como com os valores constitucionais que o originaram. Reencontro com o senhor, Presidente Lula e com todas as utopias que por vários anos ele nos ensinou a sonhar. Ao senhor, presidente, aos representantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Academia Brasileira de Ciências (ABC), o Ministério da Ciência e Tecnologia e principalmente aos companheiros que solidariamente se recusaram a receber no governo passado. Minha gratidão eterna.
Muito obrigada!”