Alice passa por um transtorno alimentar. Em outra história, as pessoas estão contaminadas por um vírus que faz com que fiquem vidradas no que passa no celular. Esses dois temas tão sérios são abordados em curtas-metragens de ficção dirigidos por duas alunas de escolas públicas brasileiras.
Os trabalhos delas foram selecionados por um programa internacional e serão exibidos, da próxima segunda-feira (5) até quarta-feira (7), em um evento em Frankfurt, na Alemanha, com a presença do renomado diretor Wim Wenders.
Talita Santos, de 14 anos, diretora de Alice (10 minutos), mora em Camaçari (BA), e está no nono ano do ensino fundamental. Ela explica que o tema do transtorno alimentar abordado em seu trabalho foi inspirado no que ela acompanha na vida real. “A gente se aprofundou nessa história porque vemos vários casos mesmo em relação a tudo isso. Se você não procura uma ajuda, a pessoa acaba se maltratando”.
A menina conta que o problema é influenciado por “pessoas tóxicas”. A filmagem demorou três dias e os colegas de turma ajudaram na produção, roteiro e atuação. A jovem cineasta se surpreendeu com o que aprendeu, já que gostava mais das aulas de matemática.
O gosto pelo cinema ganhou força depois do que foi ensinado pela escola. Passou até a ver com outros olhos a janela para o mundo que tem na sala de casa, uma televisão e filmes de ação. Talita pensa no futuro que pode fazer uma faculdade de direito ou mesmo aprender mais sobre a Sétima Arte.
Talita é a caçula de seis filhos de Angelina Santos, de 46 anos, atualmente desempregada, e precisa do Bolsa Família para sustentar a casa, na comunidade de Sítio Verde. A mãe ficou emocionada quando descobriu que o trabalho da menina havia sido selecionado e que a jovem até viajaria de avião para a Alemanha. “Ela falou pra mim que estava fazendo um curso e depois me falou que o filme tinha sido escolhido. Eu não acreditei”. Só acreditou depois que os funcionários da escola explicaram a história.
Diretor famoso na plateia
Dona Angelina ouviu que a filha apresentaria o trabalho no Encontro Internacional da rede Cinema, Cem anos de juventude, com a presença de estudantes, educadores e cineastas de organizações de 15 países, dedicadas ao ensino do cinema e do audiovisual na educação básica.
O renomado e premiado diretor alemão Wim Wenders é o padrinho deste evento e estará presente para a exibição e debate de filmes com os jovens presentes, com idades entre 10 e 18 anos.
Foram selecionados estudantes que participaram de oficinas de cinema oferecidas pelo Programa Imagens em Movimento (PIM) para apresentar os curtas na Europa. A iniciativa é uma parceria com a Rede “Cinema, cem anos de Juventude”, que tem 16 organizações internacionais ligadas ao ensino do cinema.
“Estamos reféns da tecnologia”
A outra jovem cineasta encantada pela câmera que já está na Alemanha e pronta para apresentar o filme Vírus (10 minutos de duração) para o mundo é ainda mais jovem. Letícia da Silva tem 13 anos e está no oitavo ano do fundamental. Ela mora em Várzea Paulista.
“Eu sempre fui apaixonada por filmes. Eu comecei assistindo algumas franquias de filmes de ação. Até eu já tive também o sonho de ser atriz”.
A inspiração para o filme, sobre o uso exacerbado da tecnologia pelos jovens, também foi inspirado ao que ela via por onde passava.
“Nós estamos sendo reféns da tecnologia. Precisamos tomar cuidado”. A menina recorda que o filme foi produzido antes e depois das ameaças de ataques a escolas brasileiras. “Primeiro, com tudo o que víamos, tivemos receio. Mas depois a gravação foi muito incrível e divertida”. A garota, mesmo tão jovem, já pensa no futuro, mas por enquanto, só quer se divertir. Letícia pretende estudar biologia marinha.
O pai da menina, Francisco Paulo Silva, de 36 anos, ficou entusiasmado e surpreso com a novidade da filha. “Eu não sou muito de cinema. Mas a minha filha gosta desde pequena”. Ele é ajudante de logística de uma empresa de refrigerante, e a mãe da menina ajuda nas despesas da casa com trabalho de confeiteira.
Mergulho
O programa Imagens em Movimento nasceu no Rio de Janeiro, no ano de 2011, idealizado pela professora Ana Dillon, que é mestre em cinema pela Universidade de Sorbonne (França). O projeto tem o objetivo de oferecer gratuitamente oficinas de cinema a alunos do ensino médio e fundamental. Ana entende que as aulas promovem um mergulho de reflexões junto aos alunos.
“As crianças estão em contato com a tecnologia cada vez mais cedo no mundo contemporâneo. Quando a gente trabalha com cinema nas escolas, a gente está começando a conversar sobre uma espécie de alfabetização para uma linguagem com a qual elas já estão em contato”.
Para Ana Dillon, as oficinas despertam conversas sobre emoções. “Às vezes, experiências difíceis, relações familiares problemáticas, questões da adolescência. A gente promove a capacidade de eles se expressarem e falarem sobre o que estão vivendo”.