A pesquisadora da Fiocruz Amazônia, Luiza Garnelo, do Laboratório de Situação de Saúde e Gestão do Cuidado de Populações Indígenas e outros Grupos Vulneráveis (SAGESPI), foi uma das palestrantes do Seminário Saúde e Ambiente na Amazônia: Integração Necessária hoje para Atuação nos Cenários futuros e o Fortalecimento do SUS, ocorrido nos dias 16 e 17/05, em Porto Velho (RO). O objetivo do seminário – o primeiro de uma série de três previstos para ocorrerem também no Amazonas e no Pará – é definir uma agenda de trabalho que contemple projetos estruturantes e integradores nas temáticas saúde e ambiente, visando questões estratégicas, os desafios sanitários, de atenção à saúde e conservação da região, na perspectiva de fortalecimento do SUS e da Ciência, Tecnologia e Inovação na Região Amazônica.
O Laboratório de Situação de Saúde e Gestão do Cuidado de Populações Indígenas e outros grupos vulneráveis – SAGESPI tem como objetivo desenvolver pesquisas qualiquantitativas voltadas para a análise da produção de perfis de agravos de elevada incidência/prevalência em populações indígenas e outros grupos em condição de vulnerabilidade na Amazônia. O laboratório busca ainda equilibrar atividades de pesquisa acadêmica com ações voltadas para a redução das desigualdades sociais e de apoio ao empoderamento dos grupos populacionais junto aos quais atuam em áreas remotas interior da Amazônia (indígenas, ribeirinhos, populações de fronteira e outros).
O evento teve dois dias duração. Luiza Garnelo palestrou no segundo dia e disse considerar oportuna a discussão em torno do tema, tendo como protagonistas pesquisadores e estudiosos da Amazônia. A cientista apresentou indicadores relativos ao Índice de Progresso Social (IPS), do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON), mostrando as dificuldades vivenciadas pela população da região, no tocante às necessidades humanas básicas, fundamentos para o bem-estar e oportunidades. “As altas taxas de detecção de problemas de saúde que ocorrem na região, como malária, tuberculose, mortalidade infantil e materna, câncer de colo de útero, entre outros, são indicadores importantes diretamente relacionados à situação socioeconômica da grande maioria da população da região”, explicou Garnelo.
No que se refere às oportunidades, a situação é ainda pior. Dos 772 municípios da região, só 15 têm o IPS maior que a média nacional, nesse quesito. “Conforme análise feita entre os anos de 2018 e 2021, o progresso social da Amazônia diminuiu, foi o pior resultado na dimensão de oportunidade, o que demonstra que a inclusão social é deficiente na região. As piores oportunidades estão nas áreas de bordas do mapa da região, justamente onde se encontram as terras indígenas e onde, paradoxalmente, estão os ambientes mais preservados da Amazônia, mas faltam políticas públicas, segurança, isso faz com que as pessoas busquem alternativas”, afirmou.
Garnelo cita o empreendedorismo indígena como alternativa para a questão da sustentabilidade, com dezenas de atividades desenvolvidas na busca pela geração der renda. Além do empreendedorismo, os indígenas vem buscando a escolarização como outro caminho a ser seguido. “O crescimento da população indígena no ensino superior se dá à base de escolas privadas, com sacrifício das famílias, limitação de vagas, o que se caracteriza como um indicador de desigualdade”, explica. A pesquisadora citou o exemplo isolado do advogado indígena sul-mato-grossense Eloy Terena, que se notabilizou como referência na luta indigenista e será o primeiro professor indígena na Escola de Magistratura Federal. “Esse é um indicador isolado mas muito expressivo de inclusão social indígena, assim como a participação indígena em candidaturas, buscando superar barreiras de uma representação incipiente no Congresso e na Câmara”, ponderou.
Outro dado citado pela pesquisadora foi o da participação indígena nas políticas de concessão de benefícios sociais do Governo Federal. “Somente na região do Alto Rio Negro, onde vivem aproximadamente 32 mil indígenas, a estimativa de renda oriunda de benefícios sociais, em 2018, chegou a ser de R$ 9 milhões, só de salário-maternidade; entre ganhos oriundos de benefícios sociais conseguiram auferir R$ 11 milhões. A surpresa fica por conta dos dados de aposentadoria, R$ 44,7 milhões, com 97% dos idosos elegíveis para esse benefício aposentados, somando ganhos, no total, de mais de R$ 55 milhões”. Segundo Luiza, resultado de dez anos de luta das organizações indígenas para formar profissionais em postos de trabalho em que possam colaborar para o desenvolvimento de suas populações.
Por fim, Luiza Garnelo apresentou projetos de pesquisa realizados pela Fiocruz Amazônia que contribuem para a formação de um retrato da situação dessas populações vulnerabilizadas. “Temos um conjunto grande de projetos, que precisam ser potencializados, mantidos, ampliados, a exemplo das ações de qualificação para o SUS, por meio das quais conseguimos entrar nos 62 municípios do Amazonas, com 5.936 trabalhadores de saúde capacitados, entre agentes comunitários de saúde, agentes de combate a endemias e agentes indígenas de saúde. Nova parceria foi firmada como desdobramento, com o Projeto Saúde, Ciência e Solidariedade no Enfrentamento à Pandemia, com 1.573 pessoas capacitadas em nove municípios do AM e sete de Rondônia”, destacou.
Garnelo ressaltou ainda o esforço da Fiocruz Amazônia para a ampliação de oferta do Ensino Pós-Graduado, com a primeira turma de Mestrado Indígena da região da Tríplice Fronteira, área que concentra expressiva população indígena. “Estamos iniciando o processo seletivo e a finalidade é ofertar ações formativas para quem está no interior e contribuir para o aprimoramento das ações afirmativas de ingresso nas universidades, sistematizando uma mudança no sistema pedagógico, iniciando com o projeto de formação de sanitaristas indígenas. Esperamos, no diálogo com as comunidades, moldar um processo formativo sensível as diferenças sociais e que contribua para colocar essas pessoas no mercado de trabalho”, finalizou.