NOVA DÉLHI — Narendra Modi , o primeiro-ministro mais polarizador que a Índia já teve em décadas, abriu o caminho nesta quinta-feira para a reeleição, com uma margem de vitória histórica. Seu vigoroso nacionalismo hindu e políticas pró-mercado parecem ter funcionado bem para fins eleitorais, apesar das preocupações geradas pelo não cumprimento da sua promessa de criar empregos.
Com a maioria dos votos contados, Modi caminhava para ser o primeiro premier indiano em 50 anos a garantir maioria parlamentar absoluta para seu partido em duas eleições consecutivas.
Muitos indianos vêem Modi, de 68 anos, como um ícone nacionalista. Ele confrontou a China, quase foi para a guerra contra o Paquistão e aproximou a Índia dos Estados Unidos. Ele chama a si mesmo de “chowkidar da Índia, o equivalente a “vigia”, e seu sucesso espelha a ascensão de figuras populistas de direita em todo o mundo.
Embora ele tenha construído uma reputação de um cruzado que fala a linguagem das pessoas comuns, seus detratores dizem que suas políticas estão partindo ao meio o delicado tecido social da Índia. Seu compromisso de dar mais poder à maioria hindu do país causou medo na minoria muçulmana e deixou o país cada vez mais polarizado.
Sob o seu governo, os linchamentos dispararam e a representação muçulmana no Parlamento caiu para seu nível mais baixo em décadas. Os hindus de direita se sentiram encorajados a impulsionar uma agenda extrema, incluindo tornar uma celebridade o homem que matou a tiros o herói independentista Mohandas K. Gandhi.
Mas na política indiana de hoje, não há outra figura que possa se aproximar do carisma de Modi. Seu partido Bharatiya Janata (BJP), de longe o mais rico e agressivo da Índia, construiu o que os críticos chamam de culto à personalidade ao seu redor. Em discursos, ele rotineiramente se refere a si mesmo na terceira pessoa.
Ele esbravejou em um comício recente, recordando o ataque aéreo que ordenou no Paquistão em fevereiro: “Você fica feliz quando Modi mata dentro de casas? Seu peito não fica estufado de orgulho?”. A multidão se exaltou.
Analistas políticos o chamam de “maior que a vida”, “um personagem cinematográfico” e alguém que demonstra um senso inato para compreender “o que as pessoas estão procurando”. “Modi se incorporou na consciência de todos os indianos”, disse Arati Jerath, um importante colunista de jornal.
Em contraste, Rahul Gandhi, o líder do opositor Partido do Congresso e descendente de uma dinastia que dominou a vida política indiana por décadas depois da independência em 1947, é amplamente percebido, até por alguns defensores, como alguém que cultiva uma imagem muito gentil. E embora seu partido se considere uma força unificadora, os resultados indicaram que o Congresso, antes dominante, sofreu uma segunda derrota consecutiva desastrosa.
O comparecimento às eleições é digno de entrar para os livros de História como o maior exercício democrático de todos os tempos. Em sete fases ao longo de 39 dias, mais de 600 milhões de indianos votaram em 1 milhão de seções eleitorais, espalhadas por megacidades densamente povoadas e vilarejos distantes, das montanhas do Himalaia até ilhas tropicais no Mar de Andamã.
Especialistas dizem que a força da personalidade de Modi, com muitos indianos intensamente contra ele ou a seu favor, explica o comparecimento de 67%, o mais alto que a Índia já viu. Até mesmo alguns eleitores que estão preocupados com a economia ou não gostam do modo como Modi explorou as divisões entre comunidades o veem como o melhor líder para o país agora.
— Os agricultores estão com problemas — disse Vinay Tyagi, um produtor de trigo e cana-de-açúcar no estado de Uttar Pradesh. — Mas ainda votamos no BJP porque não havia alternativa para nós. Os outros candidatos não eram bons.
Para manter seu emprego, Modi fez campanha implacavelmente, realizando 142 comícios e percorrendo 100 mil quilômetros. Na última noite antes do término da votação, ele meditou em uma caverna do Himalaia na mesma área em que vagara mais de 50 anos antes, quando jovem, procurando por um propósito.
Modi será o primeiro premier de dois mandatos originário de uma casta inferior. Ele cresceu em uma pequena cidade ao norte de Ahmedabad, no estado de Gujarat. Esta tem sido uma parte poderosa de sua narrativa; ele se autodenomina um “chaiwalla” humilde, um vendedor de chá, um claro forasteiro na elite da Índia.
Com 8 anos, ele ingressou no Rashtriya Swayamsevak Sangh, conhecida como RSS, um grupo hindu de direita que teria um grande papel na sua vida. O RSS é visto como uma organização social, mas seus integrantes são parte do movimento nacionalista hindu, e alguns de seus críticos os acusam de ser fascistas — nos anos 1930, eles se inspiraram no fascismo italiano.
Na escola, Modi era um estudante mediano, mas demonstrou talento para o teatro e o debate. Quando estava com 18 anos, ele se afastou durante dois anos para o Himalaria, vivendo como um asceta. Numa entrevista recente, disse que se banhou em rios congelados, passou o tempo com homens sagrados e “se alinhou com o ritmo do universo”.
Modi só entrou na política tarde na vida. Entre os 20 e os 30 anos, ele foi um pregrador para o RSS e depois um cabo eleitoral do BJP. Ele supervisionou a impressão de panfletos secretos promovendo a Hindutva, a crença na primazia da religião e do modo de vida hindus. Analistas dizem que, no fundo, ele continua sendo um “ultranacionalista”.
— Ele é muito polarizador — disse Jerath, o colunista. — Ele acredita na política da polarização: nós contra eles, hindus contra muçulmanos, ricos contra pobres, pobres contra ricos.
Um momento definidor aconteceu em 2002, quando distúrbios religiosos explodiram no estado de Gujarat. Modi, que era ministro-chefe do Estado, foi acusado de não parar a carnificina, que levou a mais de mil mortes, a maioria de muçulmanos. Desde então, Modi seria considerado um herói pelos hindus, enquanto os muçulamanos o consideram um assassino.
Fonte: O Globo