WASHINGTON — Pode estar perto do fim um impasse diplomático que vem agitando há mais de três semanas uma calma rua de Georgetown, um dos mais antigos e bairros da capital americana. Na segunda-feira, agentes federais colaram uma notificação na porta da embaixada da Venezuela nos Estados Unidos, que afirma que os EUA reconhecem Carlos Vecchio — aliado de Juan Guaidó — como embaixador venezuelano e que quaisquer pessoas que estejam no local sem autorização de Vecchio são considerados invasores e podem ser presos.
A nota, no entanto, não tem assinatura, e não está claro o que acontecerá com os quatro manifestantes americanos que continuam ali. Eles são os últimos ativistas que ainda ocupam a representação diplomática desde o início de abril, quando os últimos diplomatas venezuelanos que representavam o presidente Nicolás Maduro deixaram o local, depois que o governo americano e cerca de outros 50 países reconheceram Guaidó como presidente da Venezuela.
A notificação é mais um capítulo de uma situação que vem chamando a atenção de quem passa em frente ao prédio de tijolo aparente de quatro andares, sobretudo depois que cidadãos venezuelanos passaram a acampar do lado de fora para protestar e tentar colocar um fim à ocupação dos ativistas americanos, que se autointitulam “Coletivo de Proteção da Embaixada” e representam grupos que se opõem a Guaidó.
Os venezuelanos pediam para que os americanos deixassem sua embaixada. Matthew Burwick foi o primeiro a ocupar as escadarias do prédio. O venezuelano, de 51 anos deixou seu país há cerca de dois anos e está na embaixada há mais de vinte dias.
— Esta edificação foi comprada pela Venezuela, é propriedade da Venezuela, nossa. É desonroso, humilhante, que seja tomada como representação de uma ditadura na Venezuela. Essa instituição não vai pertencer a Guaidó nem pode pertencer a Maduro, vai pertencer sempre aos venezuelanos.
Outros venezuelanos se juntaram a ele e, acamparam em torno da embaixada. Na madrugada de domingo para segunda, a reportagem do GLOBO esteve no local e verificou que ao menos 15 venezuelanos passavam a noite do lado de fora fazendo ronda no edifício, guardando seus pertences nas cerca de dez barracas montadas nas calçadas. O acampamento foi desmontado nesta terça-feira.
Sem luz
Desde a quarta-feira da semana passada, os ocupantes estão sem eletricidade , já que o fornecimento foi interrompido. Burwick diz que a interrupção foi feita depois que os venezuelanos entraram na embaixada por uma janela e constataram que os ativistas haviam cortado os fios que mantinham os alarmes de incêndio. Segundo ele, bombeiros disseram que havia risco e que seria necessário cortar a luz. A PEPCO, companhia de fornecimento de energia, não confirma a informação, e os manifestantes negam que seja o caso, dizendo que ficar sem eletricidade é o que torna a situação perigosa.
Os ativistas americanos que dormem na embaixada e os que dão apoio a eles, organizando manifestações e coletivas de imprensa do outro lado da rua, denunciam a falta de luz, de água e de comida no prédio. Os venezuelanos não negam que um dos objetivos é evitar que a comida chegue aos ocupantes.
— Eles não estão sequestrados aí dentro, estão aí por conta própria. Se querem comida, água, podem sair — diz Cathy Caminero, explicando também que uma vez que saiam, a ideia é não deixar que entrem novamente.
A instrutora de academia se juntou ao grupo de venezuelanos há duas semanas.
— Hoje (domingo) era dia das mães, meu marido e meus filhos vieram e perguntaram se eu queria sair para comer, e eu disse não. Fico aqui.
Cathy e outros venezuelanos entrevistados pelo GLOBO afirmam que uma das principais preocupações é com as informações pessoais de venezuelanos.
— A embaixada do seu país é um pedaço dele no lugar onde você vive. Não é justo que haja alguém lá que não seja venezuelano e nem mesmo parte da chancelaria.
Também no domingo, a venezuelana Carmen Ruzza esteve no acampamento junto com o marido, peruano, e seus dois filhos. A professora diz que a situação é um “microcosmo” do conflito que ocorre ao mesmo tempo na Venezuela e confirma a preocupação.
— Eles estão tendo acesso a informações muito privadas nossas. Aí há documentos de identidade, passaportes, certidões de nascimento a que eles não deveriam ter acesso.
Segundo Medea Benjamin, do grupo de mulheres americano Code Pink, os ativistas estão dentro do prédio desde o dia 10 de abril, porém só a partir de 1º de maio passaram a ter restrições para entrar e sair. Ela afirma o objetivo é impedir que as “forças do Guaidó” tomem a embaixada e destaca que o autoproclamado presidente da Venezuela não é reconhecido pela ONU.
— Há pessoas dentro sem comida, sem água, sem eletricidade. Isso é um desastre para eles como seres humanos, mas também é um ato ilegal da parte do serviço secreto e da política metropolitana, pois estamos aqui legalmente de acordo com o convite de Maduro e, de acordo com as convenções de Viena, ninguém pode violar a embaixada de outro país.
Um porta-voz do Departamento de Estado disse ao GLOBO que o governo da Venezuela, liderado por Juan Guaidó, tem autoridade legal sobre a embaixada do país em Washington e que quaisquer indivíduos não autorizados que estejam dentro da propriedade são considerados invasores. Já o Departamento da Polícia Metropolitana do governo local diz que a polícia está ajudando o Serviço Secreto americano a garantir a segurança de todos os envolvidos.
O professor de História da Georgetown University Erick Langer esteve em frente à embaixada acompanhando de longe as manifestações durante vários dias. Ele diz que, apesar da retórica anti-imperialista dos grupos que ocupam o local, a atitude dos ativistas americanos pode ser considerada outro tipo de “imperialismo”.
— Isso nunca aconteceu antes: ter estrangeiros ocupando uma embaixada que não é deles e deixando de fora nacionais daquela embaixada. Claro que há alguns organizadores lá que são pró-Guaidó, mas muitas pessoas
Troca de acusações
A rua onde fica a embaixada virou cenário de troca de acusações desde que tudo começou. Policiais colocaram barreiras para manter os manifestantes separados, mas, ainda assim há bate-boca e até confrontos físicos.
Venezuelanos dizem que se mantém ali com ajuda de membros da comunidade e acusam os ativistas americanos de receberem dinheiro para ocupar o local. A acusação é negada pelos ativistas, que dizem não serem pagos e estarem ali porque são contra uma intervenção militar americana na Venezuela.
Dois representantes da Answer Coalition, Aminta Zea e Kei Pritsker, afirmam ter saído da embaixada no sábado. Kei afirma que deixou seu emprego para passar as duas semanas ali, e chama os venezuelanos do lado de fora de “fascistas de direita”, os acusando de deixar as pessoas dentro passando fome.
— A política que está sendo imposta aos protetores de dentro da embaixada é a mesma que está sendo impostas à Venezuela. É um regime de sanções neste edifício da embaixada, estão negando comida e água.
As menções às sanções à Venezuela são frequentes como justificativa para a crise no país. O discurso contra Trump também é recorrente.
— O governo Trump não se importa com as pessoas da América Latina — diz Aminta, que destaca a política anti-imigração do presidente como argumento. Ela também se refere às pessoas que estão dentro da embaixada como ativistas “contra o imperialismo”.
Já o venezuelano Alfredo Hurtado, que mora em Nova York e, aos finais de semana, vem a Washington para protestar, diz ser acusado pelos ativistas americanos de ser homofóbico, mas diz que é casado com um americano há 30 anos.
– Eles nos chamam de extrema direita, mas por que, só por que não adoto suas visões radicais?
O Code Pink afirma que doze manifestantes que protestavam pacificamente em frente à embaixada foram presos e estão sendo processados. O grupo acusa os venezuelanos de serem violentos e diz que vai processar o serviço secreto, a polícia e a companhia de eletricidade. Ann Wright, representante do grupo, acusa os venezuelanos de quebrarem janelas e forçarem as portas ao tentar entrar no prédio, o que, segundo ela, gerou prejuízos de U$ 10 mil.
Intervenção militar
Gerry Condon, presidente da organização Veteranos pela Paz (Veterans for Peace) afirma que está em frente à embaixada porque é “contra qualquer tipo de intervenção americana na Venezuela ”.
— Pedimos aos soldados e fuzileiros navais para que se recusem a participar, não seguir ordens ilegais de invadir a Venezuela — diz. — A luta aqui simboliza o que está acontecendo na Venezuela.
Ele afirma ter sido jogado no chão por policiais e ter sido preso após atirar um pepino para dentro da embaixada para que os ativistas pudessem “fazer uma salada para o jantar”.
A intervenção militar é outro argumento frequentemente citado. Embora o presidente dos Estados Unidos ainda não tenha tomado sua decisão com relação ao tema, os manifestantes acreditam que uma ação é iminente.
Fonte: O Globo