SÃO PAULO – Uma das principais preocupações do eleitor em 2018, o aumento da violência pode levar o Congresso a aprovar a mais dura legislação penal do país em décadas, com a fusão dos pacotes anticrime apresentados pelos ministros Sergio Moro, da Justiça, e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Relator do Grupo de Trabalho (GT) criado na Câmara para examinar a questão da segurança, o deputado José Augusto Rosa (PR-SP), mais conhecido como capitão Augusto, líder da bancada da bala, defende que as duas propostas sejam unidas. Para o capitão Augusto, os pacotes de Moro, que chegou ao Congresso em fevereiro, e o de Moraes, que tramita desde 2018, são complementares – ao contrário do que disse em março o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para quem Moro tinha feito um “copia e cola” com as ideias de Moraes .
A análise dos dois pacotes mostra que, nas diferenças, há pontos em que o ministro da Justiça faz propostas mais duras, e em outros em que o ministro do STF é mais rigoroso. Os dois pacotes, juntos, aumentam penas, antecipam cumprimento de sentenças, impõem rigor às prisões e, no caso da proposta de Moro, determina até o confisco de bens que destoarem do padrão de renda de condenados por terem adquirido patrimônio irregularmente, incluindo os de uso indireto ou que tenham sido transferidos a terceiros por valores irrisórios. Para evitar o arresto, de acordo com a proposta, o réu é quem deve comprovar que adquiriu suas propriedades com recursos lícitos.
A violência é a segunda maior preocupação dos eleitores, logo atrás de saúde e à frente de corrupção. Isso faz o capitão Augusto acreditar que não será difícil aprovar a legislação. Além disso, ele mesmo pontua, a Frente Parlamentar da Segurança Pública, conhecida como bancada da bala, tem 307 dos 513 deputados federais eleitos – é a maior da Casa.
– Se fundirem e aprovarem as propostas, estaremos vivenciando uma revolução na justiça penal brasileira, nos aproximando do sistema americano, com viés pragmático de encarceramento rápido e severo – diz o criminalista Roberto Delmanto Jr, autor de livros que comentam o Código Penal e Leis Penais Especiais.
Moraes propõe aumentar de 30 para 40 anos o tempo máximo que um condenado pode permanecer preso e uma pena maior para quem mata usando armas de uso restrito das forças de segurança. O homicídio é punido com prisão entre seis e 20 anos. Na proposta de Moraes, se cometido com armas proibidas, a pena sobe para 12 a 30 anos. Ou seja, a pena mínima dobra.
Diferenças sobre mílicias
O ministro do STF também deu tratamento diferenciado às milícias, transformando em crime federal, com apuração a cargo da Polícia Federal e o julgamento pela Justiça Federal. Moro não diferencia as milícias e dá a elas o mesmo tratamento que dispensa às organizações criminosas comuns.
No caso do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), reservado a líderes de facções criminosas, a permanência atual é de um ano, podendo ser prorrogada caso haja nova falta grave, mas limitado a um sexto da pena. Moraes eleva esse tempo para dois anos, prorrogável por mais dois. Moro aumenta ainda mais, chegando a seis no total. Nos dois casos, os presos em RDD perdem direito à visita íntima e só podem receber parentes uma vez por mês, sem contato físico e com monitoramento audiovisual. Hoje, eles podem receber familiares duas vezes por semana, sem contar as crianças.
Na próxima quarta-feira, o GT inicia uma série de dez audiências públicas. Cerca de 55 especialistas e representantes da sociedade civil serão ouvidos. Haverá paridade entre homens e mulheres que vão expor seus pensamentos sobre o endurecimento das leis penais.
Para a deputada Margarete Coelho (Progressistas-PI), coordenadora do GT, os dois projetos apontam para uma mesma mudança: prender mais e mais rápido. Mas para que isso aconteça, segundo ela, é preciso amadurecer o debate, que já começa embalado pela expectativa do eleitorado de aumentar o combate à violência.
– São temas sensíveis e nada pode ser decidido na base do senso comum. Temos que ter réguas mais científicas para avaliar as medidas – afirma a deputada.
Endurecimento divide opiniões
Na semana passada, o Datafolha ouviu 2.086 pessoas sobre medidas voltadas a aumentar a segurança. Enquanto 54% dos entrevistados disseram acreditar que quanto mais pessoas forem presas mais segura estará a sociedade, outros 42% discordam. Ao mesmo tempo, 62% disseram que quanto maior o número de criminosos nos presídios, mais as facções criminosas se fortalecem – 34% discordaram. No total, 79% dos pesquisados defenderam que policiais que matam suspeitos devem ser investigados e 51% disseram ter mais medo do que confiança na polícia. Ou seja, há dúvidas se o aumento no número de presos e a manutenção na prisão por mais tempo vão reduzir a insegurança a longo prazo.
Para o professor Davi Teixeira de Azevedo, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), a conciliação dos projetos pelo Legislativo é positiva, mas é preciso eliminar exageros. Ele teme que, em excesso, o rigor desumanize a Justiça, aumentando a chance de erros. Nos casos das garantias dadas a policiais, presentes no projeto de Moro, o professor critica o que chama de “licença para matar”, a legítima defesa justificada por medo, surpresa ou violenta emoção. Delmanto Jr. concorda.
– Na minha ótica, isso jamais poderia ser aplicado para um policial. Ele não pode alegar medo, surpresa ou violenta emoção. Essas justificativas só caberiam em situações de entrar um ladrão na casa de um cidadão – diz Delmanto Jr.
Apesar das reservas, os dois projetos, na avaliação de criminalistas, trazem avanços importantes. Moraes, por exemplo, estabelece uma série de condutas para coleta de provas e perícias necessárias. Já no projeto de Moro é destacada, por exemplo, a criação da figura do ‘cidadão colaborador”, qualquer um que denuncie de boa fé crimes comuns ou contra os cofres públicos. Em troca, o denunciante receberia proteção estatal e recompensa que pode variar de 5% a 20% do valor recuperado.
– É interessante, pois se aplica bem ao colarinho branco, mas também ao crime organizado e aos crimes contra o sistema financeiro – avalia Azevedo.
O promotor Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, diz que a proposta de Moro é de fato endurecedora na repressão penal, mas considera o fato positivo.
– Ela se volta contra a criminalidade organizada, o crime violento e a corrupção – explica.
Para Livianu, é importante também a inclusão, na lei penal, da previsão de prisão após condenação em segunda instância, que causa controvérsia mesmo depois de confirmada em decisões do STF.
– Nenhum país do mundo exige quatro graus de jurisdição para prender alguém. Isso é pacto macabro contra a impunidade – afirma o promotor.
Aumento de custos
Cobrado em reunião na Câmara dos Deputados sobre o custo do aumento do encarceramento, Moro disse que isso não vai acontecer, já que as medidas mais rigorosas são voltadas a crimes específicos, como a grande corrupção, o crime organizado e o crime violento. Ele considerou impossível calcular o custo da aplicação das medidas e defendeu que, num segundo momento, elas devem reduzir o número de criminosos na cadeia, já que vão desestimular crimes.
Na avaliação da deputada Margarete, porém, o fato é que a população de presos tende a aumentar e é preciso saber o custo. Hoje, um preso custa em média R$ 2.400 mensais.
– Não podemos prever uma política sem os meios de colocá-la em funcionamento – afirma Margarete.
Mesmo considerado rigoroso, o pacote de Moro não satisfez deputados bolsonaristas. Carla Zambelli (PSL-SP), por exemplo, cobra do ministro o fim das saidinhas e das visitas íntimas para todos os presos, não só para líderes de organizações criminosas, Ele foi cobrado também pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), que defendeu tratamento diferenciado para milícias, com argumento de que ela tem característica diferente das facções criminosas comuns.
Fonte: O Globo