Com extradição pedida por EUA, fundador do WikiLeaks é preso na embaixada do Equador em Londres

LONDRES — O fundador do WikiLeaks, Julian Assange, foi preso na manhã desta quinta-feira pela polícia britânica, em Londres. Os agentes foram autorizados pela embaixada do Equador a entrar na sede diplomática do país, na qual o ativista estava exilado desde 2012. O governo equatoriano de Lenín Moreno cancelou o asilo do australiano e suspendeu a cidadania equatoriana que lhe havia concedido. Moreno rompeu com Rafael Correa, seu antecessor que havia concedido o asilo a Assange, e desde o ano passado vinha indicando que a proteção poderia ser revogada.

A polícia de Londres confirmou que Assange foi preso em resposta a um pedido de extradição das autoridades dos Estados Unidos, onde ele vinha sendo processado secretamente, segundo revelou a imprensa americana em novembro do ano passado. Em 2010, o WikiLeaks vazou milhares de telegramas secretos da diplomacia americana, a maior parte revelando os bastidores da chamada “guerra ao terror”. Mais recentemente, a organização publicou e-mails da campanha à Presidência de Hillary Clinton em 2016 que, segundo a Justiça americana, foram obtidos por hackers russos.

A prisão de Assange, de 47 anos, também atendeu a um pedido da Justiça britânica, que determinara sua detenção ainda antes de ele se refugiar na embaixada equatoriana, por ele ter violado as condições de liberdade condicional impostas no âmbito de uma investigação de estupro na Suécia. Essa investigação foi posteriormente arquivada pela Justiça sueca, mas os advogados de Assange não conseguiram derrubar o pedido de prisão por violação da condicional.

A Polícia Metropolitana de Londres, conhecida como Scotland Yard, relatou ter sido chamada à embaixada depois da retirada do asilo. O australiano foi levado a uma delegacia no centro de Londres, onde permanecerá, segundo a polícia, até ser levado ao Tribunal de Magistrados de Westminster “o quanto antes”.

magens de televisão mostraram como agentes da política de Londres levaram Assange, com grande barba branca, do edifício da embaixada, no bairro londrino de Knightsbridge. Ele foi carregado por sete homens. O fundador do WikiLeaks não saía do local desde 19 de junho de 2012.

Quando se refugiou na embaixada, Assange era alvo de um pedido de extradição feito pela Suécia, no processo depois arquivado. Ele alegou, na época, que temia que a Justiça sueca o extraditasse para os Estados Unidos, hipótese que agora se torna uma possibilidade concreta.

Em resposta à prisão de Assange, o WikiLeaks destacou que o Equador violou a lei internacional ao revogar o asilo de Assange “ilegalmente”. O fundador do WikiLeaks recebeu o apoio do ex-presidente Rafael Correa, que lhe concedera o asilo.

“Lenín Moreno, nefasto presidente do Equador, demonstrou sua miséria humana ao mundo, entregando Julian Assange, não só asilado, como também cidadão equatoriano, à polícia britânica”, escreveu Correa, que hoje vive asilado na Bélgica, no Twitter. “Isso põe em risco a vida de Assange e humilha o Equador.”

Edward Snowden, ex-funcionário da Agência Nacional de Segurança americana que também é alvo dos EUA por vazar documentos secretos sobre programas de espionagem de Washington, denunciou um “dia sombrio para a liberdade de imprensa”.

“As imagens do embaixador do Equador convidando a polícia secreta a entrar na embaixada para tirar de lá um editor de material jornalístico terminará nos livros de História. Os críticos de Assange podem celebrar, mas é um dia sombrio para a liberdade de imprensa”, escreveu Snowden no Twitter.

ENTENDA: Da ‘Guerra ao Terror’ à prisão, relembre trajetória de Assange

As relações de Assange com seus anfitriões mudaram desde a mudança na Presidência do Equador. Em março, o governo de Lenín Moreno acusou o fundador do WikiLeaks de vazar informações sobre a vida pessoal do presidente. Moreno apontou que Assange violou os termos do seu asilo.

Em vídeo no Twitter, nesta quinta-feira, Moreno confirmou que o Equador “soberanamente” cancelou o asilo diplomático a Assange porque o ativista “violou reiteradamente disposições expressas das convenções sobre asilo”. Segundo o presidente, o australiano violou sobretudo a norma de “não intervir em assuntos de outros Estados”. O líder de Quito ressalvou que o australiano não será extraditado para países que poderiam condená-lo à pena de morte. Londres acolheu a condição.

“O governo britânico confirmou isso por escrito, de acordo com suas próprias regras”, disse Moreno, que vinha se aproximando dos Estados Unidos, estremecidas desde que Correa ordenou o fechamento da base americana de Manta, que funcionava em território equatoriano.

Na quarta-feira, o WikiLeaks havia denunciado que Assange fora alvo de uma sofisticada operação de espionagem na embaixada equatoriana. Segundo o grupo, vídeos, áudios, fotografias, cópias de documentos legais e até mesmo um relatório médico apareceram na Espanha, onde um grupo ameaçou publicá-los a menos que recebesse € 3 milhões (R$ 12,9 milhões).

Kristinn Hrafnsson, editor-chefe do WikiLeaks, disse, na ocasião, que aumentavam as tentativas de expulsar Assange da embaixada. Ele não deu provas de suas afirmações, mas apontou que a vigilância fazia parte de um complô com a intenção de conseguir extraditar Assange para os Estados Unidos.

Van da polícia britânica estaciona na frente da embaixada do Equador de Londres Foto: DANIEL LEAL-OLIVAS 11-04-2019 / AFP
Van da polícia britânica estaciona na frente da embaixada do Equador de Londres Foto: DANIEL LEAL-OLIVAS 11-04-2019 / AFP

Na semana passada, Quito havia chamado de “insultantes” as denúncias do WikiLeaks segundo as quais o país fechava um acordo com Londres para expulsar Assange. Nesta segunda-feira, porém, o chanceler equatoriano, José Valencia, informou que o Equador resolveria “no seu tempo” se mantinha ou não o asilo.

Ao saber da prisão de Assange, a porta-voz da Chancelaria russa, Maria Zakharova, acusou as autoridades britânicas de “estrangularem a liberdade”. Já a mulher que o acusara de estupro na Suécia, em 2010, indicou nesta quinta-feira que pedirá a reabertura das investigações, interrompidas em maio de 2017, três anos antes da prescrição prevista, dada a impossibilidade de avançar na apuração com ele exilado

Faremos todo o possível para que os procuradores reabram a investigação sueca e que Assange seja entregue à Suécia e julgado por estupro — destacou à agência France Presse a advogada da mulher, Elisabeth Massi Fritz.

Exilado desde 2012

O ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, Jeremy Hunt, ressaltou nesta quinta-feira à rede SkyNews que Assange “não é nenhum herói” e que o ativista “se escondeu da verdade por anos”. Segundo o chanceler, o fundador do WikiLeaks “não está acima da lei” e terá o destino decidido pelo sistema judiciário britânico.

Assange apareceu nas manchetes internacionais no início de 2010, quando o WikiLeaks publicou o vídeo de um ataque de helicópteros Apache (modelo de ataque com visão noturna e sensores sensíveis de alvo) que matou 12 pessoas in Bagdá, capital do Iraque, em 2007. Entre os mortos estavam dois repórteres da Reuters. O vídeo era informação confidencial do Exército americano.

Mais tarde naquele ano, o grupo divulgou mais de 90 mil documentos secretos detalhando a campanha militar liderada pelos EUA no Afeganistão, seguido por quase 400 mil relatórios militares internos dos Estados Unidos detalhando as operações no Iraque. Em seguida, mais de 250 mil telegramas confidenciais de embaixadas dos EUA vieram à tona.

Fonte: O Globo