Guarda Nacional lança gás lacrimogêneo contra manifestantes opositores na Venezuela

CARACAS — Em meio a um apagão intermitente, que começou na quinta-feira, Caracas amanheceu neste sábado dividida entre apoiadores do líder opositor venezuelano Juan Guaidó — que convocou uma nova manifestação — e do governo de Nicolás Maduro . Durante a manhã, o foco de tensão esteve na manifestação da oposição, onde a Guarda Nacional Bolivariana tentou afastar manifestantes usando gás lacrimogêneo, uma demonstração de força mais intensa do que a registrada em protestos anteriores.

Sem palco, Guaidó discursa de cima de carro Foto: MATIAS DELACROIX / AFP
Sem palco, Guaidó discursa de cima de carro Foto: MATIAS DELACROIX / AFP

As marchas ocorrem menos de uma semana após o giro pelo mundo feito por Guaidó em visita a chefes de Estados da região; e menos de 48 horas após o apagão que deixou Caracas e praticamente todo o território nacional sem luz e 96% da população sem internet, segundo do observatório de medição Netblocks. Embora o primeiro vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), Diosdado Cabello, tenha assegurado, nas primeiras horas da manhã, que 70% da energia havia sido restabelecida, um novo blecaute deixou pelo menos 20 estados às escuras. Mais da metade do país permanece sem eletricidade há mais 40 horas ininterruptas.

Nas ruas, “Queremos marchar” e “sim, podemos” tornam-se novamente os slogans mais repetidos pelos oponentes ao regime de Maduro. A Guarda Nacional, respondeu com força e uma tropa de choque bloqueou o acesso à Avenida Vitória, tentando afastar manifestantes com gás lacrimogêneo. Mais cedo, a polícia já havia impedido a instalação de um palco onde Guaidó deveria discursar no fim da marcha. A estrutura foi confiscada e três pessoas que estavam transportando o material foram presas.

Sem palco, o autoproclamado presidente interino do país, discursou de cima de um carro:

— Continuaremos a nos mobilizar — garantiu diante de manifestantes, lembrando que o objetivo é que toda a Venezuela esteja em Caracas. — Nós temos que tomar o poder ocupando os espaços pacificamente, como fizemos hoje no município Libertador.

Guaidó também alertou que dias difíceis virão.

— Eles vão tentar nos dividir. Querem nos desmobilizar, cabe a nós não cair, temos que estar unidos.

Nas redes, o Twitter foi o palco secundário escolhido para o confronto entre as duas retóricas preponderantes no país. Na quinta-feira, o governo atribuiu o problema a um ataque cibernético ao sistema de controle informatizado da usina de Guri, que fornece 80% da energia do país, e prometeu apresentar provas. Outras fontes de eletricidade, incluindo termelétricas, não conseguiram compensar a falha.

“Hoje, quando o império dos EUA, em seu desespero para obter nossos recursos naturais, intensifica suas brutais agressões contra a Pátria, defendemos com firmeza a nossa terra e gritamos com força: Yankee Go Home! Somos anti-imperialistas!!”, tuitou Maduro em sua conta oficial.

Nicolás Maduro

@NicolasMaduro

Hoy, cuando el imperio de los EE.UU., en su desespero por echarle mano a nuestros recursos naturales, intensifica sus brutales agresiones contra la Patria, nos plantamos con firmeza para defender nuestra tierra y gritar con fuerza: ¡Yankee Go Home! ¡Somos Antiimperialistas!

Horas antes Guiadó — que se autoproclamou presidente interino com apoio da Assembleia Nacional e foi reconhecido por 50 países, incluindo o Brasil — havia convocado seus apoiadores: “Eles acham que vão nos assustar hoje, mas vão ter uma surpresa com o povo nas ruas. Eles pretendem jogar com desgaste, mas já não têm mais como conter um povo determinado a concretizar o fim da usurpação. E hoje vamos demonstrar isso nas ruas. Fiquem atentos”, tuitou pela manhã.

Mas tanto a mobilização opositora quanto a convocada por Maduro pareciam mais vazias que as anteriores por causa do apagão. O blecaute, que começou na quinta-feira às 16h53, afetou 22 dos 23 estados venezuelanos devido a uma falha na maior hidrelétrica do país, a de Guri, no estado de Bolívar, na fronteira com o Brasil. O estado brasileiro de Roraima, que recebe energia de Guri, foi afetado e teve que acionar termelétricas para garantir o fornecimento elétrico.

— Não há água, não há luz, não há comida, não aguentamos mais — disse Jorge Lugo à agência France Presse, que participava da manifestação opositora.

— O problema é a comida. Tinha comprado carne e vai estragar. Vou à marcha, porque tem que haver uma mudança. Estamos cansados — concordou Luis Álvarez, de 51 anos, que trabalha em uma transportadora.

Nova queda de energia piora sistema de saúde

O apagão, o mais forte em muitos anos, aumentou a tensão nas passeatas. E agravou a crise que atravessa o sistema de saúde pública no país. A maioria dos sistemas de contingência dos hospitais — como usinas termelétricas e geradores, que deveriam ter energia suficiente antes da queda da maior usina hidrelétrica do país — não funcionou adequadamente.

Sem metrô e com poucos ônibus circulando, muitos médicos não conseguiram chegar aos hospitais. A oposição denunciou dezenas de mortes devido à queda de energia — ao menos 13 em um hospital do estado de Monagas — o que o ministro da Comunicação, Jorge Rodríguez, classificou como “falso”.

Fonte: O Globo