Medidas de Macron em resposta a protestos não satisfarão franceses, dizem analistas

PARIS – Após uma maratona de três meses de debates pelo país, o presidente Emmanuel Macron anunciou sua aguardada resposta à crise deflagrada pelo movimento dos chamados coletes amarelos, em manifestações que já se estendem por 23 sábados consecutivos em cidades da França . Seu discurso de quinta-feira, seguido de uma inédita entrevista coletiva para a imprensa francesa e internacional, no Palácio do Eliseu, foi marcado menos por medidas concretas para atender às reivindicações das ruas e mais por considerações gerais sobre seus projetos.

Macron defendeu sua política nestes dois anos de governo, e, entre anúncios sobre impostos e reformas institucionais, defendeu também uma refundação do Espaço Schengen de livre circulação europeia, um reforço das fronteiras e um endurecimento do combate à imigração.

O líder francês descartou algumas das principais demandas surgidas nas manifestações dos coletes amarelos e no Grande Debate nacional: a adoção do Referendo de Iniciativa Cidadã (RIC), a reintrodução imediata do Imposto Sobre a Fortuna (ISF) ou o reconhecimento do voto em branco nas eleições. Por outro lado, anunciou a redução de impostos em cerca de € 5 bilhões, principalmente para a classe média, sem, no entanto, especificar seu financiamento. Negou mudanças na atual idade mínima de aposentadoria, de 62 anos, mas afirmou que os franceses deverão “trabalhar mais” para cotizar mais.

Macron também prometeu a indexação de todas as aposentadorias à inflação até 2021, sendo as pensões inferiores a € 2 mil a partir de 1° de janeiro de 2020. Indicou ainda a simplificação do já existente Referendo de Iniciativa Partilhada (RIP): reduzir de 4,5 milhões para 1 milhão o número de assinaturas de cidadãos necessárias para seu requerimento. E confirmou a intenção de reduzir em cerca de 30% o número de parlamentares e de incluir em torno de 20% de eleições proporcionais para a configuração da Assembleia Nacional.

O analista Bruno Cautrès, do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po), não acredita que o presidente conseguirá recuperar a popularidade com sua prestação de ontem:

— O catálogo proposto é tão vasto, com prazos de dez ou 15 anos, que não penso que isso responda à demanda das pessoas, que é a de ver seus salários e seu poder de compra aumentarem imediatamente. Tenho uma estranha sensação de que Macron não sabe onde está e para onde vai. Como se não tivesse retido muita coisa do Grande Debate. Tem ainda dificuldade em encarnar a humildade. Vejo uma neblina que fica mais espessa em vez de se dispersar.

“Avanços magros”

Para o historiador Claude Pennetier, do Centro Nacional de Pesquisas Sociais (CNRS), os “avanços anunciados são muito magros” para encerrar os protestos nas ruas, que poderão, segundo ele, ganhar mesmo o apoio de sindicatos e associações:

— Não penso que isso vai acalmar os espíritos. Ignorar o RIC e reformar o RIP me parecem medidas pequenas em relações às aspirações por uma democracia mais participativa. Também considero que foi inábil na questão do ISF, uma das importantes reivindicações das ruas, e em recorrer a discursos sobre “a arte de ser francês” e de que “o indivíduo deve dar o melhor de si mesmo”. Não há nenhuma mudança de linha econômica. Na minha opinião, ele não marcou pontos. E pela frente terá as manifestações de 1° de maio e, logo depois, as eleições europeias.

O analista se disse surpreso ainda pelo tom presidencial na crítica ao Espaço Schengen e na necessidade de repensar as fronteiras europeias e o combate à imigração. Macron se mostrou enfático na refundação de Schengen, “mesmo que seja com menos Estados”:

— Acredito profundamente em um patriotismo aberto. (..) Mas para ser aberto, é preciso ter limites. Para acolher, é preciso ter uma casa, portanto, fronteiras respeitadas e regras. E, hoje, a situação não é como deveria ser. Nós devemos refundar profundamente nossa política migratória. O Espaço Schengen não funciona mais — disse o presidente francês. — Não quero mais ter no Espaço Schengen Estados que dizem lhe dizem “estou dentro” quando se trata da liberdade de circulação, mas “fora” quando se trata de repartir as responsabilidades. No fundo, o que devemos fazer é reconstruir um patriotismo inclusivo em que cada um assuma sua parte.

Aceno à direita

Para Pennetier, ao terminar sua intervenção com o tema da imigração, apontando os abusos do direito de asilo e da política de reagrupamento familiar, “Macron acena para direita”.

— O novo é que está disposto a questionar Schengen. Na verdade, vai na direção de uma Europa menor, descartando países com os quais não estaria de acordo na distribuição de imigrantes ou que servem de passagem. Ele sonha com uma Europa com os alemães, belgas, luxemburgueses, mantendo sob vigilância os Estados mediterrâneos em dificuldades com a imigração, como Itália, Grécia e Espanha. É um projeto que vai provocar debate.

O presidente prometeu para maio um projeto de “profunda reforma da administração” pública, a ser apresentado pelo primeiro-ministro Edouard Philippe. Entre as possíveis medidas, “sugere” a supressão da Escola Nacional de Administração (ENA), a qual cursou e que forma a grande maioria da elite dos quadros públicos. Com o fim da célebre escola, ele pretende acabar com a ideia de “determinismo social” e acentuar o papel da meritocracia no acesso aos cargos da administração.

— Mas ninguém se importa, hoje, com a ENA — diz Cautrès. — Os efeitos desta medida só serão vistos daqui a 15 ou 20 anos. É bom dizer que é preciso diversificar as elites na França, mas o problema vem das classes preparatórias, do ensino nas escolas, da excelência. São horizontes muito longínquos.

Questionado pelos jornalistas por mais precisões sobre as medidas anunciadas, o presidente esquivou das respostas com estilo próprio, justificando que seu novo “método” não é o de se substituir ao governo nas escolhas e que vai avaliar estudos e propostas:

— Vocês não querem realmente me ajudar, antes me criticavam por decidir tudo sozinho — queixou-se, sorrindo.

Segundo uma sondagem realizada, na quinta, pelo Instituto Harris Interactive, 63% dos entrevistados julgaram que Macron não foi convincente em sua intervenção.

Fonte: O Globo