Com tarifas até sobre aliados, Trump mistura economia e segurança nacional

NOVA YORK  — O presidente Donald Trump torna cada vez mais confusas as fronteiras entre as seguranças nacional e econômica dos Estados Unidos , permitindo-se utilizar ferramentas poderosas, criadas para punir os atores que infringem as regras globais, e redirecioná-las para quase todos os parceiros comerciais americanos, incluindo México, Japão, China e Europa.

Trump declarou os carros europeus e japoneses, os equipamentos de telecomunicações chineses e os imigrantes mexicanos ameaças à segurança nacional. Assim, obteve autoridade para usar os poderes da Guerra Fria e criar dificuldades econômicas a outros países por meio de tarifas, listas negras e outras punições.

Enquanto os governos anteriores tentaram lidar com as ameaças econômicas e de segurança separadamente, Trump misturou deliberadamente as duas, considerando as práticas comerciais de outro país tão perigosas para os Estados Unidos quanto as suas capacidades militares.

É uma visão que ele adotou desde a campanha de 2016, na qual impulsionou sua política “Estados Unidos primeiro” e prometeu proteger empresas que ele acreditava estarem do lado dos perdedores do comércio global. Uma vez no poder, Trump retirou imediatamente os Estados Unidos do acordo comercial Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês) e começou a investigar os bens importados que ele acreditava estarem inundando o mercado americano, como máquinas de lavar e painéis solares.

Em seguida a sua política tornou-se mais agressiva ainda, culminando numa visão abrangente do conceito de segurança nacional que mergulhou os EUA numa guerra econômica com quase todos os seus parceiros comerciais, incluindo aliados de longa data.

Táticas de Guerra Fria

Trump ameaçou invocar poderes de emergência criados em 1977 para impor tarifas sobre o México . Foi o primeiro presidente a usar contra um aliado próximo uma lei que é um desdobramento da Lei de Comércio com o Inimigo, usada na Guerra Fria para impor sanções à União Soviética. Os presidentes fizeram interpretações cada vez mais amplas dela desde os anos 1990: George Bush declarou emergência devido à proliferação de armas químicas, e George W. Bush o fez por causa da ameaça do terrorismo. Barack Obama usou a lei para agir contra organizações criminosas transnacionais e roubos cibernéticos.

O presidente também usou uma cláusula de 1962 que lhe permite aplicar tarifas sobre importações consideradas uma ameaça à segurança nacional, declarando carros da Europa e do Japão como um risco para os EUA. E o seu governo ainda usa as táticas da Guerra Fria contra a China,  pondo companhias como a gigante de comunicações Huawei na sua lista negra e criando novas restrições às exportações de alguns tipos de tecnologia, como a biotecnologia e a computação de alto desempenho.

— Para esse governo, tudo é segurança nacional — diz Chad Bown, pesquisador do Peterson Institute for International Economics. — Tudo no que eles botam as mãos cai nessa categoria. Eles a usam como uma desculpa para impor tarifas que violam regras comerciais.

Trump diz que a sua política é uma resposta a anos de diplomacia fracassada que não fez  nada para impedir que os empregos, a capacidade de produção e a inovação deixassem os EUA.

Riscos para americanos

O seu governo afirma que a erosão das indústrias americanas representa uma ameaça direta ao futuro do país.

— Estamos reafirmando essas verdades fundamentais: uma nação sem fronteiras não é uma nação — disse Trump ao apresentar seu plano de segurança nacional em dezembro de 2017. — Uma nação que não protege a prosperidade em casa não pode proteger seus interesses no exterior.

Críticos dizem que a estratégia é permitir que o governo Trump acabe com as regras comerciais destinadas a evitar que os EUA e outros países entrem em guerras comerciais intermináveis. As regras estabelecidas pelo Congresso e pela Organização Mundial do Comércio deixaram espaço para que o presidente tome decisões a partir de argumentos de segurança nacional. Mas equiparar a segurança econômica à segurança nacional acarreta riscos, incluindo tensionar as relações com governos estrangeiros e transformar questões já contenciosas — como práticas comerciais — em disputas intratáveis.

Republicanos e grupos empresariais alertam que agrupar duas questões difíceis e díspares esfriará as relações com governos amigos. Embora muitos legisladores geralmente apoiem a política punitiva de Trump em relação à China, vêm se colocando contra as penalidades a aliados como Japão, Canadá, México e Europa, dizendo que isso prejudicaria as empresas americanas — cujas cadeias de suprimentos cruzam fronteiras — e criaria maiores problemas de segurança.

Fonte: O Globo