Porte de arma a produtores rurais, jornalistas e outros profissionais foi definido após Bolsonaro anunciar decreto

BRASÍLIA — O governo ampliou o alcance do decreto de armas no mesmo dia em que o presidente Jair Bolsonaro assinou o ato, em solenidade no Palácio do Planalto . Documentos do Ministério da Justiça indicam que foram incluídas dez categorias profissionais com direito a porte de arma após o presidente assinar o decreto.

A versão que recebeu parecer favorável do ministro Sergio Moro, no dia 7 de maio, listava apenas nove categorias que passariam a ter direito de carregar uma arma. Já a versão publicada na manhã do dia 8 no Diário Oficial tinha 19 categorias entre caminhoneiros, proprietários rurais, políticos com mandato e até jornalistas .

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A solenidade em que Bolsonaro assinou o decreto ocorreu por volta das 17h do dia 7 de maio. Até aquele momento, o Ministério da Justiça ainda não tinha emitido parecer jurídico aprovando a medida.

O texto que estava sendo examinado pelos subordinados do ministro Sergio Moro tinha no artigo 20 uma lista bem menor das categorias profissionais que o governo reconheceu o direito de ter porte, escrevendo que para essas a necessidade de ter arma já seria presumida pelo Estado. A versão aprovada em parecer assinado pela consultoria jurídica às 18h, depois da solenidade em que estava Bolsonaro e o próprio Moro, não incluía produtores rurais, caminhoneiros, jornalistas nem políticos com mandato.

Durante o discurso que fez no anúncio oficial do novo decreto, nem mesmo o presidente citou essas categorias que só iriam aparecer no Diário Oficial no dia seguinte. Procurado, o Palácio do Planalto ainda não se manifestou para informar se a ampliação do número de categorias ocorreu após a solenidade ou antes dela ainda no dia 7 de maio. O Ministério da Justiça também ainda não se manfiestou.

Ao expor os motivos para a edição do decreto, o ministro Sergio Moro afirmou que houve divergência entre a vontade da população representada no referendo sobre o desarmamento e o estatuto aprovado pelo Congresso à época. Escreveu o ministro: “Verifica-se, em tese, um descompasso entre o desejo expressado pela população e a regulamentação por parte do poder público, que não se desincumbiu da missão de fazer cumprir o direito duplamente reconhecido à população”.

O ministro ainda afirmou que o novo decreto era uma forma de “adequar a legislação à realidade social, hoje assolada pelo indiscutível recrudescimento da criminalidade” e que o texto viabilizava o “exercício do direito fundamental à legítima defesa”.

Moro também disse, dirigindo-se ao Presidente, que o decreto promove “a abertura do mercado para importação de armas e munições, permitindo a livre iniciativa, estimulando a concorrência, premiando a qualidade e a segurança, bem como a liberdade econômica, tão privilegiada pelo Senhor”.

O texto da minuta foi inicialmente elaborado pela Casa Civil antes de ser enviado a Moro.

Constitucionalidade

Ainda que o parecer do Ministério da Justiça não tenha apontado nenhuma inconstitucionalidade no texto do decreto, documentos elaborados pelo Legislativo contrariam as bases legais do documento .

Ação movida no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Rede aponta pelo menos seis artigos da Constituição que teriam sido desrespeitados pelo decreto . O direito fundamental à vida e à segurança, o fato de a segurança pública ser dever do Estado, e não da população; e o direito à igualdade material. Ainda segundo a ação, o decreto ofende os princípios constitucionais da razoabilidade do limite, da separação dos poderes e da legalidade estrita.

Diz a ação: ”Ao Poder Legislativo cabe tipicamente a função de legislar, cabendo apenas atipicamente ao Poder Executivo tal função, principalmente por meio da edição de decretos que regulamentam as leis, nos termos estabelecidos pela Constituição Federal. O Presidente deveria, assim, propor projeto de lei para alterar a Lei. Entretanto, talvez por perceber que as suas “ideias” não possuem respaldo da maioria do Congresso Nacional, decide editar decretos que supostamente apenas regulamentam o Estatuto do Desarmamento, mas, na prática, enterram o espirito da Lei”.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, também encomendou à área técnica do órgão uma avaliação sobre a constitucionalidade do decreto. Ao chegar na Câmara na quinta-feira, afirmou que, ainda que os estudos não estivessem concluídos, já haviam sido encontrados pontos inconstitucionais. “Nós já encontramos – ainda não terminamos, porque é muito grande – algumas inconstitucionalidades, e eu tenho conversado com o ministro Onyx”, disse o presidente.

Maia afirmou que sua intenção é dialogar com o governo para demonstrar que houve invasão da competência do Legislativo. “Sem dúvida nenhuma, aquilo que for inconstitucional do decreto de armas, ou vamos dialogar com o governo – que é o que queremos, para que ele possa compreender que entrou nas atribuições do Congresso Nacional –, ou vou ter que votar um dos oito ou nove projetos de decreto legislativo [que sustam o decreto do Executivo]”, disse Maia.

Fonte: O Globo